Muita gente torceu o nariz para a nomeação de Raf Simons como co-diretor criativo da Prada e não sabe muito bem o que pensar desse primeiro desfile em parceria. Há quem diga que os fãs mais ardorosos da grife não vão gostar dessa junção Raf-Miuccia e vão querer ela solo outra vez. Pois eu, particularmente, gostei muito de ver como os dois conseguiram criar juntos sem que um sufocasse as características mais marcantes do trabalho do outro.
Em um bate papo após o término dos desfiles, ambos disseram que foi muito fácil trabalhar em dupla, muito natural. E que estão apenas começando, deixando-se guiar pelo que está vindo, pelo que surgir. “É um novo começo e a beleza está em não saber para onde vamos”, disse Miuccia.
Pois a coleção primavera/verão 2021 da Prada mostra exatamente isso: um começo, um ponto de partida em comum, digamos assim. É como se eles realmente tivessem usado esse primeiro momento para afiar as facas, ajustar as velas, traçar objetivos em comum e ver onde isso vai dar. E o resultado foi uma coleção “ajustada”, na falta de adjetivo melhor, mas muito interessante. Sem grandes surpresas, grandes saltos, mas também muito fresca e muito convidativa.
As peças são bastante clássicas, mas com toques bem contemporâneos e é o tipo de coleção da qual você consegue extrair várias possibilidades porque os looks são extremamente aplicáveis e funcionais, nem tem o que digerir ou transpor, é mais uma questão de adaptar para o estilo pessoal e o clima de onde se vive.
As cores, muito sóbrias. Mesmo tendo alguns looks com os tons que são tendência nessa temporada (amarelo manteiga, tons de roxo e pasteis), predominam o branco, cinza e preto com alguns toques de cores contrastantes – que ficam muito bem com a alfaiataria. Alguns dos vestidos e conjuntos de saia e blusa eu passaria, mas de forma geral é uma coleção bem coesa e bastante marcante.
Destaque para as calças retas e os ternos e blusas confeccionados em lã e para o uso do re-nylon industrial utilizado com uso de técnicas de alta costura e como toque do “aqui e agora”, do presente em que vivemos. Algumas peças trazem obras de arte de Peter De Potter – amigo e colaborador antigo de Raf Simons – e são o grande ponto contemporâneo da coleção: dialogam com o humano e o tecnológico, falam sobre a relação entre ideias e informação, numa grande conexão de todos esses conceitos.
Gostei bastante e fiquei curiosa e animada pelo que ainda vem pela frente com essa parceria, acho que ainda vai render muita coisa interessante. Além da bagagem de cada um e de processos criativos que conversam bem entre si, Simon e Miuccia têm uma declarada admiração mútua; pra mim, tudo o que é realmente necessário para que a criação a dois seja um sucesso.
Ana Paula Barcellos
Escritora, mocinha do medalhão persa, marketeira e pesquisadora de tendências. Trabalha com as marcas Madame B., Maria Jujuba Rock e Pinacola.
Foto: Prada/Divulgação