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Práticas ESG: Como grandes corporações estão implantando as exigências do mercado internacional

Diretor da Mercedes-Benz afirma que investir em ações ambientais, sociais e de governança,  é um caminho sem volta

Suzi Bonfim

Especial para O LONDRINENSE

De acordo com  a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que representa diversas empresas relacionadas a investimentos (bancos, gestoras, corretoras de valores, distribuidoras e administradoras), no artigo “Tsunami ESG veio para ficar“,  os critérios ambientais, sociais e de governança são peças-chave para a sobrevivência dos negócios no longo prazo e vieram pra ditar as novas regras de mercado. Segundo pesquisa da Anbima com apoio do Datafolha e da consultoria Na Rua,  90% das instituições financeiras brasileiras acreditam que a sustentabilidade terá ainda mais importância no futuro.

Mas a associação aponta que o Brasil ainda está atrasado. “No mundo, ativos sustentáveis sob gestão somaram US$ 35,3 trilhões em 2020, segundo a Global Sustainable Investment Alliance. Quase metade (48%) está nos EUA. O restante se divide entre países da Europa (34%), seguidos do Canadá, do Japão, da Austrália e da Nova Zelândia. Uma das razões para essa demora por aqui é o diferente entendimento sobre o assunto. Embora difundidas na imprensa, as siglas ESG e ASG estão distantes de 67% das casas ou são vistas só como boas práticas ambientais no escritório”.

Segundo a Anbima, uma boa parte do mercado ainda se divide em cinco perfis: desconfiados (4,2% do mercado), distantes (35,5%), iniciados (32,1%), emergentes (21,5%) e engajados (6,8%).  Os engajados são os que já colocam o ESG no centro dos negócios, envolvendo estratégias de produtos e serviços.

O Londrinense conversou com odiretor de Tecnologia e Operações da Mercedes-Benz/Brasil, Pedro Afonso (*), para entender como as corporações que atuam no mundo inteiro estão implementando aqui exigências ambientais sociais e de governança que lá fora já são uma realidade.

Instalada em território brasileiro há mais de 65 anos, com uma produção em torno de  2 milhões de veículos comerciais e exportados para o mundo todo, a companhia investe na área que, garante, chega com força total, também no Brasil. O diretor reconhece, no entanto, que há um longo caminho a percorrer e, de um modo geral, está apenas dando os primeiros passos desta maratona. “A gente investe nisso porque acredita que este é o caminho”, afirma Pedro Afonso. Confira os principais pontos da entrevista. 

O Londrinense – Como está o andamento das práticas ESG na Mercedes-Benz /Brasil?

Pedro Afonso – Desde sempre, a gente se preocupou muito com estas três questões: ambiental, social e governança. A governança, certamente, é um teto que cobre tudo isso  e estamos organizados como empresa para olhar para dentro do nosso ambiente permitindo trazer para os nossos colaboradores a visão do que isso significa  com relação à participação individual de cada um deles. Porque entendemos que temos um papel social para os nossos colaboradores, para os parceiros de negócios, fornecedores e para a sociedade como um todo. Mas tudo começa com aqueles que fazem parte do nosso time.

Temos várias iniciativas envolvendo as pessoas no processo, para que elas entendam o papel delas na preservação ambiental e como podem contribuir com isso. Nós temos práticas dentro da companhia que fomentam esta participação e a gente tem relatos interessantes de colaboradores que levam isso (as iniciativas da empresa) para os seus condomínios, as comunidades em que eles vivem. A questão da segurança deles é um valor para nós. Eles entram na empresa  e a gente quer que eles saiam da mesma maneira que entraram porque alguém os espera em casa. Nós temos a obrigação ética de cuidar do bem estar deles. A gente anda com isso ombro a ombro e, de novo, eles sempre participam, dando ideias de como pode melhorar o entorno, de como podem minimizar riscos e contribuir com o meio ambiente. Nós temos processos também nesta linha de  reconhecimento das ideias. O colaborador não tem obrigação de participar, ele é convidado mas, em participando, a gente tem o privilégio de ouvir ideias, implementar e também reconhecer por meio de prêmios onde tem a possibilidade de ser valorizado como ser humano. A governança trabalha nesta linha.

O Londrinense- Como envolver o colaborador com preocupações ambientais e sociais, considerando que a maioria não tem práticas neste sentido na vida pessoal, na casa dele?

Pedro Afonso-  Envolvemos as pessoas por meio da conscientização e nesse processo trazemos dados financeiros, por exemplo, de escassez e de tratamento da água para que ela seja potável de novo. O custo para a sociedade e para ele também porque paga impostos e tem um envolvimento direto e indireto, nessa questão não só de segurança mas ambiental. Quando trazemos práticas em que ele pode atuar como parar de tomar café em um copinho plástico, a gente presenteou o nosso colaborador com canecas de metal. O que é isso: é uma mensagem que a gente traz pra ele com a logo da empresa, como pequenos insights para ele replicar.

Muitos colaboradores, ao se verem imbuídos nesta tarefa, reconhecidos internamente pelas ações que fizeram, pelo desempenho individual dele na companhia, do cuidado com o meio ambiente, com segurança e da nossa responsabilidade social, eu chamo de orgulho, mas os americanos dizem que é “ownership” dele se sentir também parte, dono, deste processo de conscientização. E aí, este caminho de levar para comunidade faz com que ele seja um vetor , um agente que leva as ações, inclusive para dentro da casa . Temos relatos de colaboradores dizendo que os filhos estão reciclando lixo, gente que levou para o seu condomínio a visão de que não pode misturar o lixo orgânico com o reciclável e que pode fazer dinheiro com o que for separado. Tem o aspecto financeiro e econômico, mas as ações de maneira conjunta dão ao indivíduo esta propriedade de se sentir também participante e um agente de mudanças. Quando isso começa lá dentro, na empresa, é muito mais fácil porque é um ambiente controlado, e aí, o colaborador vê o resultado de tudo isso.

O Londrinense- O senhor falou da questão financeira e hoje as corporações, principalmente no mercado internacional, que implantaram as práticas ESG estão sendo mais bem cotadas nas Bolsas de Valores. Isso também chegou no Brasil ou estamos diante de uma onda passageira?

Pedro Afonso- Já chegou e com força total. Como nós somos uma empresa global, os nossos acionistas também cobram este tipo de estratégia e de ação  por parte da nossa companhia. Não é exagero dizer que está no nosso DNA esta preocupação com relação à segurança, ao meio ambiente e às emissões de efeito estufa. Em São Bernardo (SP), temos o segundo  maior centro de tecnologia fora da Alemanha e, neste momento, estamos trabalhando no lançamento do nosso portfólio de produtos Euro 6, que é uma emissão mandatória, a partir do ano que vem, que vai praticamente zerar a questão de sujidade do ar com emissão dos nossos produtos.

Nós estamos testando biocombustíveis, diesel feito a partir da cana-de-açúcar, então, essas ações são fomentadas dentro da companhia, são propagadas para o nosso entorno, para as comunidades e os nossos acionistas assistem e valorizam isso. Fazemos um trabalho que respeita o acionista, que é uma pessoa que tem interesses nisso tudo, também. Não dá para desassociar e quando a gente trabalha lançando produtos que poluem menos, que são mais amigáveis com a questão ambiental , extremamente seguros que preservam a vida, não só a humana, mas a vida em geral, a gente consegue passar esta mensagem com fatos e dados, de que nós não estamos só no discurso, isso acaba sendo reconhecido no mercado de trabalho, no valor das nossas ações, no valor da companhia e também para a gente poder captar recursos para desenvolver projetos com entidades, com  universidades. É este ecossistema que a gente vai desenvolvendo ao longo de décadas.

O Londrinense – Considerando este processo, é possível que a companhia aqui no Brasil passe a exigir dos seus fornecedores práticas de ESG, ampliando este ambiente e fazendo parte desta governança?

Pedro Afonso- Sim, nós temos no Brasil uma malha de mais de 450 fornecedores. Quando olhamos o globo, passamos de mil fornecedores. No Brasil,  temos um programa para fomentar junto a eles práticas de segurança, normas ambientais e a questão da governança também vem a reboque. Mas não queremos ser punitivos neste processo, mas reconhecedores de boas práticas. Há mais de 10 anos, os 450 fornecedores participam de um prêmio que se chama Interação em que são avaliados em logística, qualidade, confiabilidade, inovação e recebem prêmios. É um evento muito importante na indústria nacional e introduzimos prêmio de meio ambiente reconhecendo boas práticas e que é um parceiro que caminha com sustentabilidade para o futuro. Na questão ambiental,  também temos parceiros globais que atuam conosco na Europa, nos EUA, na Ásia e criamos um ecossistema com estes parceiros que não é diferente no Brasil.

O Londrinense- Como o senhor avalia a disseminação das práticas ESG no Brasil, no setor eletrometalmecânico, por exemplo?

Pedro Afonso- Os  setores  eletrometal mecânico, automobilístico, de autopeças em geral, estão  em um patamar acima do restante da população, mas não precisa ir muito longe para avaliar. A gente ainda vê nas estradas brasileiras atos inseguros, práticas contra o meio ambiente, pessoas jogando lixo na rua provocando essas enchentes nas ruas. Mas sou um cara de muita esperança e falo isso também em nome da empresa. A gente investe nisso porque acredita que este é o caminho. Para a população brasileira de mais de 200 milhões de habitantes, chegar neste patamar (necessário de práticas ESG) ainda tem um longo trajeto pela frente. Porém, uma maratona começa sempre com um pequeno passo e já demos vários passos, neste sentido.

O Londrinense- O que falta, basicamente?

Pedro Afonso- Falta uma conscientização maior e não estou falando de governo, mas das pessoas, dos nossos vizinhos, e talvez o nosso papel de indústria como influenciadores sociais, no bom sentido, por exemplo, marcas da própria indústria automobilística, de autopeças, eletrometal mecânico usarem o poder da marca  para fazer ações no sentido de conscientizar a população. Talvez esta geração que estamos vivendo hoje não vá colher os frutos, mudar uma prática que vem de décadas, mas estamos formando gerações futuras. Investimos nisso por meio do projeto Geração do Futuro, com conceitos de segurança, de sustentabilidade, de educação e ambientais. Para esses vai doer menos, se adequar do que hoje para a geração que está vivendo isso.

O Londrinense- No Brasil, a companhia já tem resultados do investimento em ações ambientais, sociais e de governança?

Pedro Afonso- A Mercedes-Benz construiu em Juiz de Fora (MG), o chamado Prédio Verde, onde instalamos placas de energia solar em toda a cobertura, fazemos todo a captação de água da chuva neste prédio e nos prédios do entorno para reaproveitamento nos sanitários na indústria, porque a gente precisa de água. Agora, estamos calculando o consumo de água e de energia por unidade produzida e já temos números significativos, sem falar que estamos devolvendo parte da energia para o sistema elétrico, porque neste entorno já somos autossustentáveis.

* O diretor de Tecnologia e Operações da Mercedes-Benz/Brasil, Pedro Afonso, foi um dos palestrantes do Inoveem 2022, realizado em Londrina, pelo Sindicato das Indústrias, Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais Elétricos do Norte do Paraná (Sindimetal).

Foto: Divulgação/Inoveem

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