Raquel Santana (*)
Ando saudosista ultimamente. Meus recém completos 58 anos, aliado a um problema de saúde que quase me mandou dessa pra melhor, tem-me feito pensar na vida e, principalmente, na morte. Cheguei naquela fase em que vamos perdendo alguns queridos e vamos perguntando quando será a nossa vez.
A primeira experiência próxima de perda de alguém muito próximo e querido, a gente nunca esquece. Foi ainda na universidade e não foi uma experiência agradável, se é que a ida de alguém querido seja. Mas ser retirada de uma prova em sala de aula pela equipe de apoio da UEL, eu garanto que é uma experiência inesquecível. Nos dez metros entre a sala e o pátio matei minha família inteira.
Foi justamente assim que recebi a notícia de que meu querido amigo Curumim, o Curu (oficialmente Francisco), resolveu que esse mundo não era mais para ele e resolveu o problema por conta própria. Fiquei sem chão. Ele frequentava nossa casa e o que mais me perguntei foi como não pude perceber e ajudar a evitar. Fiquei muito puta com ele na época. E mais puta ainda comigo.
Fiquei pensando nos pais, na namorada e em nós, amigos próximos. Como ninguém percebeu? Realmente a depressão é uma doença silenciosa. Hoje, mais madura, entendo melhor e sei que o que ele queria era acabar com a dor de dentro dele. Na época não se falava no assunto. Depressão é um tema de nosso século.
Os anos passaram e meu amigo era apenas uma doce e dolorosa lembrança até que, já adulta e mãe vivi uma experiência surreal. Iniciante no espiritismo, fui à uma casa em que a dona era uma ex-freira, que fundou um centro espírita em que misturava Kardecismo e Umbanda. E, claro, com pitadas de catolicismo, afinal lá se rezava o pai-nosso e a ave-maria.
No local, os médiuns davam consultas. E essas consultas eram bastante atípicas. A/o médium olhava pra gente e desenhava numa folha de sulfite em branco. Bem, no dia da minha consulta o desenho não foi bonito. E foi ele que me fez acreditar de vez no espiritismo. Ou pelo menos não duvidar.
Lá no pensionato da Catarina, meu primeiro abrigo ao chegar em Londrina, ainda caloura em Comunicação Social, foi com esse e outro amigo hoje diretor de teatro, que passava as noites quentes olhando o céu da cidade, como já contei aqui anteriormente. Foi numa dessas noites que o Curu, talvez já não temendo a morte, fez um pacto entre nós: aquele que morresse primeiro, voltaria para contar.
E naquela casa de Deus, através daquele médium, lá estava ele. O que se seguiu foi surreal. E me fez acreditar que como já dizia Shakespeare, há mais mistérios entre o céu e a terra do que realmente possa imaginar nossa vã filosofia. Meu amigo veio, através da médium, me pedir perdão.
Choramos e rezamos juntos. Também fizemos o encaminhamento de sua alma, depois de 20 anos. Mas como do lado de lá a noção de tempo é outra, nunca é tarde pra gente ir para a luz. Ainda mais os seres que foram iluminados aqui na terra e com quem tive o privilégio de conviver. Mesmo por um curto espaço de tempo.
(*) É jornalista radicada em Curitiba mas apaixonada por Londrina.
Foto: Acervo pessoal