Por Cassiano Russo, professor de Filosofia
Dois amigos se encontram na estação de trem.
– Desisto disso tudo. Vou voltar para minha cidade – afirma o poeta.
– Desde quando você tomou essa decisão? – questiona o amigo do poeta.
– Não sei. Mas há algum tempo sinto saudade de casa. E esta cidade não é mais para mim – sentencia o homem de letras.
– E como serão as coisas? Quero dizer do que você vai viver? Vai abandonar a editora? Os fãs? O brilho de seu talento?
– Já abandonei essa vida faz tempo. Estou com a alma oca. Todas as exigências desse mundo civilizado mataram meu espírito. Já não tenho mais inspiração. Escrevo como um autômato. Não, meu caro amigo, não posso viver uma mentira. Tenho dinheiro o suficiente para comprar um sítio lá no interior. De lá não pretendo sair mais.
– Mas você sabe como é difícil chegar aonde você chegou? Ainda mais fazendo poesia num país como esse?
– Sei, sim.
– E você vai deixar tudo isso para trás?
– É hora de voltar no tempo – sentencia o homem de letras.
– Bom, a decisão é sua, meu amigo. Você fará muita falta aqui na capital. Sentiremos saudade.
– Sinto saudade também.
.Os dois amigos trocam um aperto de mãos e se abraçam. O trem já está de partida. O poeta adentra o vagão, acomoda sua mala e senta em sua poltrona perto da janela. Faz um sinal de tchau para o amigo com o chapéu.
O amigo ainda grita:
– O que fará em sua terra, poeta?
– Cultivarei verdades! – grita o beletrista da janela, a cabeça para fora.
E lá se foi mais um gênio, para nunca mais voltar.
Foto: Pixabay
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Seu nome completo era Avelino Augusto Galante. Mas ficou conhecido
como Augusto Galante. Nasceu em 1924, na cidade de Ibitinga, no centro do Estado
de São Paulo, próximo de Araraquara. Mudou-se quando tinha 14 anos com a família
para Londrina em 1938.
Enquanto seu irmão Arlindo conseguiu um emprego na Serraria do Battis-
tella & Policastro, na rua Belo Horizonte, próximo da esquina com a rua Fernando de
Noronha, Augusto foi trabalhar como carroceiro, cujo ponto ficava na hoje Praça Jo-
nas de Farias Castro, bem na frente do Foto Oriental, do papai.
Quando não tinha freguês, ele vinha até a vitrine do estúdio fotográfico e fi-
cava apreciando as fotografias lá expostas. Um dia em 1953, ano de crise econômica
no Brasil quando no Estado de São Paulo houve uma greve de 300 mil trabalhadores,
Augusto resolveu deixar de ser carroceiro. Criou coragem e foi conversar com papai
e disse que queria aprender fotografia. Perguntou quanto meu pai cobraria para lhe en-
sinar essa atividade profissional. Meu pai, que aprendeu fotografia de graça do aus-
tríaco Hans Kopp de Rolândia, disse que nada cobraria.
Mas logo percebeu que ele era um aprendiz trabalhador, dedicado e curioso.
Já no primeiro mês resolveu pagar-lhe um salário mínimo de Cr$ 1.200 que no ano
seguinte dobrou para Cr$ 2.400. Lá já trabalhavam, também Minoru Kawashima e Jor-
ge Tatibana. Este seria o primeiro cameraman da TV Coroados, uma década depois.
Os três aprendiam e trabalhavam tirando fotografias, revelando os negativos
no quarto escuro e depois retocando-os numa tela de madeira com um vidro usando
lápis de ponta fina, importados da Alemanha. Depois retornavam ao quarto escuro
onde eram feitas as cópias em papel especial, vindos da Alemanha (Agfa) ou Estados
Unidos (Kodak). O material fotografado na filial, Foto Toyo, no centro da cidade era
trazido de noite para a matriz, Foto Oriental, onde era feito todo o procedimento até
se transformar em fotografia. Era um trâmite muito demorado e cansativo. Às vezes
era preciso ficar no quarto escuro cheirando ácidos e produtos químicos por horas,
causando danos aos pulmãos.
O expediente começava às 8:00 horas da manhã. Descanso para o almoço das
12:00 às 13:30 horas. Café da tarde das 15:00 âs 15:30 horas. Término às 18:00 ho-
ras. O almoço e o café da tarde eram servidos na sala de jantar de nossa casa, cuja
comida era feita pela minha mãe Fussahe, na época com 33 anos de idade.
Quando eles tomavam o café da tarde, eu também me servia. E notei que
Augusto misturava manteiga no café. Disse-me que fazia bem para o estômago. Ma-
mãe também servia chá matte, leite, pão francês, manteiga, já que não existia ainda
margarina. Às vezes servia mortadela e marmelada ou goiaba. Nada era cobrado des-
sas refeições.
Em 1954 meu pai foi procurar Zaqueu de Mello, diretor do Colégio Londri-
nense, que ficava 100 metros do seu estúdio e moradia, Foto Oriental. Propôs fazer os
álbuns de formandos dos cursos ginasial e colegial daquele estabelecimento de ensi-
no. Haveria a facilidade de que os alunos, quando iam para o colégio, obrigatoriamen-
te passavam diante do foto do papai. Assim, para tirar suas fotos poderia ser de dia ou
de noite, conforme se tratassem de alunos dos cursos diurnos ou noturnos. O diretor
aceitou a proposta, pois até então os mesmos não faziam álbuns de formandos. Foi o
primeiro a ser fotografado e a sua foto em tamanho grande ficou exposta na vitrine do
estúdio durante anos, até o dia em que Foto Oriental fechou.
Com isso, a atividade do foto quadruplicou. Mesmo com a ajuda dos filhos
e dos três empregados aprendizes, Toru não estava conseguindo confeccionar tantos
álbuns fotográficos dos 150 formandos. Percebendo que não daria conta da encomen-
da, contratou filhas adolescentes de seus amigos japoneses como trabalhadoras san-
zonais pagando-lhes por hora. Foram os anos dourados do Foto Oriental e Foto Toyo.
Porém, em 1955 o aprendiz Minoru, alegando que já aprendera tudo sobre
fotografia, abriu o seu estúdio Foto Artístico na rua Sergipe, na frente da Praça Presi-
dente Vargas, e foi-se embora. No ano seguinte foi a vez de Jorge Tachibana, que foi
trabalhar como fotógrafo do jornal Folha de Londrina.
No final de 1956 um amigo de papai que morava em Ibiporã, queria abrir um
estúdio fotográfico naquela cidade. Era fotógrafo amador e gostava de fotografia. Ele
pediu alguém para lhe ajudar nesse intento, pois não sabia fotografar fotos profissio-
nais. Queria que o ensinasse e meu pai pediu para Augusto fosse todos os dias para lá
durante três meses para ensinar-lhe fotografia. Mas, este também já pretendia deixar
o Foto Oriental, pois Jorge Tachibana estava descontente no seu emprego do jornal e
procurava alguém para substitui-lo. Combinaram que terminado esses meses de ensi-
no fotográfico, ele deixaria o emprego junto ao papai.
Assim, durante 90 dias o amigo de papai percorria 16 km até Londrina. De
manhã vinha buscar o Augusto em sua casa. Ao anoitecer, depois do expediente co-
mercial, levava-o de volta para sua casa. Certo dia na viagem de volta, já escuro e
chovendo muito, Augusto viu um jovem caminhando pela estrada todo molhado, mes-
mo com guarda-chuva. Pediu que parasse o carro e convidou esse rapaz entrar no car-
ro, pois ia também em direção à Londrina. Conversando com ele soube que o seu no-
me apelido era Ioiô, jogador do Londrina Esporte Clube, time de futebol recentemen-
te fundado na cidade. O jovem agradeceu a gentileza e qui saber o nome do Augusto
e o que fazia. Anos mais tarde se encontrariam nos jogos no Estádio Vitorino Gonçal-
ves Dias, quando Augusto se tornaria fotógrafo do jornal Folha de Londrina. Torna-
ram-se grandes amigos.