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Lembranças de outros Carnavais

Raquel Santana (*)

Sou do tempo que no Carnaval a gente olhava a cabeleireira do Zezé e perguntava “será que ele é?” sem correr o risco de ser politicamente incorreto com a resposta. Na pequena Boa Esperança do Sul (SP), cidade em que passei infância e juventude, as marchinhas entoadas pelos irmãos Brunelli imperavam no salão do Clube Municipal.

Os Brunelli formavam um trio, composto por dois homens e uma mulher. Eles eram multi-instrumentistas e rolava até um acordeão nos arranjos das músicas. Os ensaios eram na sala da casa dos avós da minha melhor amiga, cujo quintal dava para um rio e era, sem dúvida, o melhor lugar para se nadar. Eu amava essa época. Então, acompanhava os ensaios de perto. No pequeno palco do clube, os irmãos reinavam absolutos na festa de Momo! Sozinhos, eram uma banda inteira.

Enquanto não tinha idade, a festa acontecia nas matinês. Adorava fazer guerra de confete e serpentina. A brincadeira consistia em encher a mão de confete e perguntar alguma coisa pro amigo. Quando este abria a boca para responder, lá ia confete. Brincadeira sem graça, mas que na época fazia a gente se matar de rir.

Como o clube era municipal, o Carnaval era super democrático. Do mais rico ao mais pobre, estavam todos lá, juntos e misturados.

A gente se juntava em turma para fazer os bloquinhos e se fantasiar. Passávamos semanas elaborando as roupas. Tudo feito por nós mesmos, no improviso. Fantasia comprada pronta só em sonho, ou para quem tinha dinheiro para bancar os tecidos raros e a costureira. Lembro de um ano em específico em que customizamos todas as nossas fantasias e ganhamos o concurso. O prêmio era subir no palco. Nada de premiação em espécie, só status mesmo. Deixamos todas as riquinhas da cidade para trás.

Mas a lembrança mais antiga que tenho dessa época é a de uma madrugada quente de verão em que acordei e, junto com meus irmãos, fomos espiar o baile dos adultos. Eu devia ter uns oito anos. A janela baixa do clube me permitiu debruçar e espiar. Os rostos felizes dançando ao som das marchinhas me deixaram encantada. Nossa mãe nos viu lá de dentro e colocou todos para correr. No outro dia foi uma bronca geral.

No clube, o que eu achava mais engraçado é que todos faziam a volta no salão em cordões para o mesmo lado, no sentido horário. E no meio ficava a turma da “pipoca “. Nessas voltas, a gente sempre passava pela nossa paquera e na hora do “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval “, vários casais se formavam. Naquele tempo, “Maria Sapatão”, para mim, era apenas uma pessoa chamada Maria que devia ter o pé bem grande.

Com o passar dos anos, não só as letras das músicas mudaram, mas eu também, inclusive de cidade. Passei na universidade e fui para Londrina. Formei outra turma, conheci novas paisagens, mas nas férias voltava sempre para casa na minha cidade para pular. Menos em um ano em que fomos para Pirajuí. Foi como voltar aos velhos tempos. O “esquenta” na pracinha e o baile no clube. Sei que existe por aí uma fotografia minha de minissaia sentada no chão, impublicável.

Com o passar do tempo, perdi um pouco o interesse pelo Carnaval. Hoje faço parte do bloco “Unidos da Netflix “. Carnaval só pela televisão. Mas adoro essa época do ano. É o período em que colocamos todas nossas fantasias – e demônios – para fora. É libertador. É por isso que a gente passa todo o ano se guardando. E ele chegou. Aproveitem!

(*) Jornalista radicada em Curitiba mas apaixonada por Londrina

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