Raquel Santana (*)
Nesses dias de isolamento total, a cozinha tem sido minha grande aliada para passar o tempo. E como comida faz parte da nossa memória afetiva, tem sido impossível não lembrar das mulheres da minha família, com quem aprendi a cozinhar.
Foi fazendo uma sopa de feijão, por exemplo, que lembrei da concha de alumínio que minha mãe usava para amassar os grãos e encorpar o caldo. E indo um pouco mais além, a receita de vinagrete de hortelã para acompanhar, receita de minha avó. Viajei para um tempo distante, onde uma mesa arrumada na sala acomodava os netos e os pratos eram disponibilizados – já prontos – acompanhados de uma metade de laranja.
Minha avó, em sua infinita intuição e sabedoria, acrescentava vitamina C em nossas refeições. Para quem não sabe, é ela quem sintetiza o ferro no organismo. E o feijão é um dos alimentos mais ricos em ferro. Comprovado cientificamente.
Na casa da vó a cozinha cheirava a cebola, hortelã e tempero árabe. De lá, saíam delícias como quibe, tabule, mijadra e esfirras. O calor do forno nas tardes quentes de verão em Araraquara, enchia nosso peito e estômago da mais pura felicidade. Gastávamos as energias na pracinha ao lado, brincando de esconde-esconde entre os bancos com patrocínio do comércio local. Os bancos resistem até hoje na praça com suas propagandas cravados na pedra. E exibem com orgulho seus telefones de quatro dígitos. Alguns desses comércios ainda resistem na cidade. Outros fazem parte da história. Da nossa, pelo menos.
O lado árabe do meu sangue sempre teve uma mão na cozinha. E o mais interessante é que não são somente as mulheres. Quase todos meus irmãos e primos são ótimos cozinheiros. E como todos árabes, gostamos de festas. E na cultura, os homens também adoram dançar. Então, junte comida e dança e resuma minha família por parte de mãe.
Uma das histórias mais engraçadas que circulava entre a parentada, envolvia um tio que já não está mais aqui. Meu tio Jonas fazia standup num tempo em que o termo nem existia. Por onde passava, deixava uma onda de alegria. Com sua voz potente, cantava Nelson Gonçalves como ninguém. Mas meu tio era antes de tudo, um fanfarrão. Contava piadas, gostava de uma plateia. E apesar de meu avô falar árabe (e mais quatro idiomas fluentemente), a única coisa que ele aprendeu foram os palavrões. E na dança árabe os homens dançam e falam na mesma proporção. E numa festa cheia de turco rico, lá foi ele dançar!
E por falar em comida, não existem festas mais fartas do que as árabes. A gente brinca que só as entradas já são uma refeição completa. Na cultura, tudo é exagerado. As roupas, as músicas, os temperos, os afetos, as lembranças.
(*) Jornalista radicada em Curitiba mas apaixonada por Londrina.