Por Ana Paula Barcellos
Acordo com o ar frio invadindo a fresta da janela do meu apartamento em Londrina. Cinco e cinquenta da manhã, o sol já está ali — não chega manso, chega cortando. Ele se impõe, os raios UV não perdoam – são extremos, me conta o aplicativo. O céu parece lavado demais, intenso demais, com uma luz quase violenta.
Até a tarde, o mormaço engole tudo. O calor não é só calor, é um peso, uma coisa que gruda na pele e sufoca. A umidade some, o ar vira lixa.
Quando o sol finalmente cede, vem a rajada. Fria. Os ventos começam devagar e ganham corpo, velocidade. Passam a noite inteira batendo persianas, correndo por Londrina, uivando pra lua. É um ciclo: vento frio logo cedo com sol escaldante que dura até o fim da tarde, vento cortante de noite. Recomeça na manhã seguinte.

Olho pela janela grande arqueada da sala — empoeirada, como tudo aqui — e vejo as palmeiras. Durante o dia, elas mal se mexem, sufocadas. À noite, se debatem, chiam, batem os cabelos.
Me lembro de um livro lido na infância. Descrevia alguns desertos, as variações brutais de temperatura, as roupas de algodão de manga longa usadas nas travessias pelas dunas. Olho para a motorista do Uber: ela usa mangas de tecido com proteção UV nos braços de beduína, atravessa Londrina no seu camelo HB20.
A cabeça dá um giro. Volta ao passado: Pandemia. As queimadas do Pantanal, a nuvem de cinzas que chegou até aqui e cobriu nosso céu por dias — como chuva de gafanhotos, apocalipse doméstico. O céu limpou mas nunca mais foi o mesmo, o frio e o calor nunca mais foram os mesmos. Nossa parte nessa história? Perpetuar o estrago. Queimadas sem fiscalização, sem punição. Cortar árvores como se fossem outros tipo de praga.
Voltei, agora estou em outro carro. A tarde acabou. O motorista xinga alguma coisa, vira a Paranaguá e me deixa do lado oposto ao meu destino. Olho para frente: meu oásis. São 18h29. Tudo o que desejo é a cerveja trincando, naquela mesa.
O vento volta a sussurrar em Londrina.
Ana Paula Barcellos

É graduada em História pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Mestre em Estudos Literários, integra coletivos culturais da cidade e é agente cultural.
Sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências, e escreve também a coluna de Moda deste jornal. Siga o Instagram @yopaulab
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