Por Flávio Caetano de Paula Maimone
É interessante observar que algumas empresas de setores específicos da economia têm uma prática de litigância permanente e com estratégias de repetir e repetir e repetir argumentos contrários à defesa do consumidor, contrários a textos legais, contrários a consolidados posicionamentos jurisprudenciais.
Adotam a repetição de argumentos, ainda que não “colem”, por anos e anos. Mas sabem que essa prática de repetição faz com que argumentos muitas vezes inacreditáveis, com o tempo, vão se transformando em algo mais normal os olhos e ouvidos de advogados da parte adversa e, sobretudo, de magistrados.
Foi assim que surgiu um “instituto” – que de instituto não tem nada – reiteradamente utilizado por litigantes habituais chamado de “mero aborrecimento”. Essas empresas sabiam e sabem que – economicamente para essas mesmas empresas – compensa ofender direitos, praticar ilícitos, ter condutas antijurídicas. Quando são acionadas judicialmente dizem que é um ilícito tão pequeno, comum do dia a dia, que configura um mero aborrecimento que, por sua vez, afastaria a consequência jurídica pela prática do ilícito civil causador de ofensa a direitos: o dano moral.
Como seria algo do cotidiano do consumidor sofrer ofensas a seus direitos, tal qual é do cotidiano o desrespeito à lei por parte de fornecedores, sem que haja reflexos importantes desse ilícito, estaríamos diante do tal mero aborrecimento a afastar o dano moral, sob pena de se criar uma indústria do dano moral.
Litigância predatória
A “tese” da vez criada por algumas empresas, litigantes habituais e permanentes, é que existiria uma prática de litigância predatória por parte de advogados de consumidores. Que ficam entrando e entrando com ações representando consumidores, criando uma chamada litigância predatória.
Ou seja, tanto no mero aborrecimento, na indústria do dano moral, quanto agora na litigância predatória, não há discussão quanto ao ilícito. Há uma verdadeira confissão de condutas antijurídicas, de prática de atos ilícitos. O que essas “teses” procuram é o afastamento da responsabilidade civil, o afastamento da condenação por danos morais, afinal, é algo do cotidiano, ou, afinal, há muitas ações parecidas.
Ora! Somente existe alta procura pelo Judiciário em decorrência do inequívoco e confessado aumento de práticas de ilícitos, de abandono de algumas empresas da necessária adoção de compliance. Para diminuírem as ações, o que devemos fazer é exigir o cumprimento da Lei, exigir a normalidade do respeito ao direito alheio, jamais normalizar a transgressão. Se há uma indústria, é do ato ilícito. Se há uma litigância predatória é de empresas que empurram o consumidor para o Judiciário e, neste, apostam em “teses” nada jurídicas para cansar julgadores e transformar mentiras em verdades, afastando condenações por confessados ilícitos praticados.
Observamos que os principais setores da economia que assim agem são exatamente setores regulados por agências, como os planos de saúde e as instituições financeiras. Não podemos normalizar o ilícito. Devemos repugnar todo e qualquer ilícito e exigir a adoção de conformidades, de compliance com as regras e princípios do ordenamento jurídico, inclusive para que sejamos justos com empresas (boa parte delas) que procuram respeitar as normas, adequando-se a elas.
O risco à defesa do consumidor está posto. A sociedade, o mercado e o Direito não podem permitir a consolidação desse risco. Ainda há tempo para restabelecer o respeito à lei como paradigma.
Flávio Henrique Caetano de Paula Maimone

Advogado especialista em Direito do Consumidor, sócio do Escritório de advocacia e consultoria Caetano de Paula & Spigai | Sócio fundador da @varbusinessbeyond consultoria e mentoria em LGPD. Doutorando e Mestre em Direito Negocial com ênfase em Responsabilidade Civil na Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Associado Titular do IBERC (Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil). Professor convidado de Pós Graduação em Direito Empresarial da UEL. Autor do livro “Responsabilidade civil na LGPD: efetividade na proteção de dados pessoais”. Colunista do Jornal O Londrinense.
Instagram: @flaviohcpaula
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