Por Telma Elorza
Não estou em Londrina já que questões de ordem familiar estão me mantendo afastada da minha cidade. Mas continuo atenta a tudo que acontece por aí. E o que me chegou – lendo portais de notícias e assitindo vídeos no Instagram -, me deixou indignada. Como assim, uma audiência pública que deveria ouvir a população sobre assuntos absolutamente importantes virou festival de desrespeito a ela (população), que deveria ser soberana? Foi uma audiência pública ou um circo sem palhaços?
O que percebi, pelo relato da repórter Franciele Rodrigues, do Portal Verdade; pelo vídeo de vereadora Paula Vicente (PT) e outras pessoas que estiveram na Câmara de Vereadores, na noite de segunda-feira (3), é que a audiência pública se tornou um daqueles espetáculos que fariam corar até roteirista de comédia política. O evento, que deveria discutir o orçamento de 2026 e o plano de metas até 2029 virou uma mistura de tédio, desrespeito e escárnio – com direito a machismo, vídeos com nudez e muito descaso. E foco principal, qual era? Ah, “só” a redução de quase R$ 17 milhões no orçamento da Secretaria de Assistência Social, justamente a que cuida dos mais vulneráveis do município.
Enquanto trabalhadores e usuários subiam à tribuna para explicar o impacto devastador que esse corte pode causar — desde a ameaça ao Movimento CRAS até o risco de extinção de programas essenciais —, do outro lado, boa parte dos representantes públicos parecia em outro planeta. Secretários mexendo no celular, risadinhas no plenário, o diretor da Cohab vendo vídeo pornô (isso mesmo, em plena sessão pública e tem vídeo lá no Portal Verdade para provar!) e bocejos como trilha sonora.
A secretária de Assistência Social, Marisol Chiesa, compareceu, é verdade. Acho que foi a primeira vez que ela esteve presente em um evento tão importante para a ação social do Município. Mas, pelo que percebi nos relatos, apenas de corpo presente. Entrou muda e saiu calada, sem dirigir uma única palavra aos cidadãos que lotaram o espaço e clamavam por explicações. Nem um “boa noite”. Nada. Faltou só levantar uma plaquinha dizendo “tô aqui porque me obrigaram a vir”.
E o prefeito Tiago Amaral (PSD)? Nem apareceu. Preferiu o conforto das redes sociais, onde, minutos antes da audiência começar, postou um vídeo todo sorridente dizendo que “conseguiu” R$ 15 milhões para a Secretaria. Segundo ele, R$ 4 milhões viriam da Câmara e os outros R$ 11 milhões, do governo do Estado. Só não explicou como, quando ou se esse dinheiro existe de verdade e de onde sairia. Basicamente, foi um “confia em mim” de Instagram.
A velha política do post bonito e da solução mágica — que não consta em papel nenhum, nada assinado, nada garantido. Enquanto isso, na vida real, o corte de R$ 17 milhões segue firme e forte no projeto de Lei Orçamentária. Ou seja: no vídeo, milagre. No orçamento, desmonte.

Machismo explícito na audiência
E o espetáculo seguiu com seus personagens de sempre. O secretário de Planejamento, Marcos Rambalducci, repetiu o discurso do “cofre vazio”, afirmando que a população não precisa entender de orçamento, “isso é papel do gestor”. Uma fala que resume bem o espírito da coisa: o povo que paga a conta não tem direito de entender para onde o dinheiro vai. Arrogância travestida de tecnocracia. Quando questionado pela vereadora Paula Vicente, o secretário ainda a acusou de “perder a compostura” e “desequilibrada”. Machismo em horário nobre, diante de uma plateia que pedia seriedade. Secretário, coisa feia. Melhore.
E, enquanto as falas dos cidadãos ecoavam no microfone, vereadores riam, trocavam mensagens e fingiam interesse. A presença de viaturas da Guarda Municipal e da PM na porta só reforçava o clima de desconfiança. Parecia que o povo era o problema, não o corte no orçamento.
As cenas descritas pelo Portal Verdade são um retrato escancarado do que virou a relação do poder público com a população de Londrina: gestores que acham que transparência se faz com stories, vereadores que tratam o plenário como sala de espera de dentista e secretários que confundem debate com desabafo de autoridade.
O mais irônico é que o assunto em pauta era assistência social — justamente o setor que acolhe quem está na ponta, quem depende de políticas públicas para sobreviver, os vulneráveis. Mas quem precisa de CRAS, de programas de convivência e de políticas de proteção social não tem lobby, não tem microfone e, aparentemente, não tem paciência o suficiente para aguentar o deboche de quem deveria ouvir.
A audiência pública de segunda-feira foi mais que um fiasco. Foi um retrato da falta de empatia institucional. Londrina merecia uma Câmara atenta, um Executivo presente e uma gestão que priorizasse gente antes de planilhas. Mas o que se viu foi uma plateia de gestores bocejando enquanto a cidade sangra.
No fim das contas, o recado foi claro: em Londrina, discute-se orçamento, mas sem o respeito à população que paga esse orçamento. E se alguém ainda tinha dúvidas de que o prefeito governa mais para as câmeras do que para as pessoas, o vídeo no Instagram — sem explicação, sem fonte e sem compromisso — deixou tudo escancarado.
A audiência pública terminou sem respostas, mas com uma certeza: quando o poder público trata a população com desdém, o verdadeiro corte não é no orçamento. É na vergonha.
Telma Elorza
É jornalista, escritora e contadora de histórias, trabalhou na Folha de Londrina por quase 20 anos e no Jornal de Londrina por outros 10 anos, locais onde atuou como repórter, redatora e editora nas áreas de Economia, Política e Agronegócio, entre outras. Em 2019, fundou seu próprio jornal, O LONDRINE̅NSE, e se tornou entrevistadora do O LONDRINE̅NSE POD.
Leia mais artigos de Opinião
Siga O LONDRINE̅NSE no Instagram: @olondrinensejornal


