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Saúde mental e pós-eleições 2022: sobreviveremos?

Por Alessandra Diehl, Psiquiatra, e Rogério Bosso, Psicólogo

Acabamos de viver, em um passado muito recente, uma dolorosa situação aguda com o advento da pandemia da COVID-19. Podemos considerar que a pandemia nos trouxe diversas situações delicadas, como a perda do emprego, mortes de pessoas queridas, isolamento daqueles que amamos, solidão, desamparo, além de um aumento significativo de sintomas de depressão, ansiedade, pânico e uso descontrolado de álcool e outras drogas e estresse.

Toda essa situação parece ter aguçado uma necessidade maior de cuidado e de proteção, venham de onde vier, que se projetou nas urnas eletrônicas. No último mês de outubro, vivemos um período democrático importante na história do nosso país, a eleição de novos líderes que irão reger nosso país e, entre eles, o maior dos líderes, a nível hierárquico, o presidente da nação. Talvez, por todo o sofrimento e momentos delicados vividos na pandemia, esse momento da eleição teve um peso diferente e as pessoas passaram a experimentar sentimentos que nada acarreta de positivo no campo mental, tais como raiva, ódio, vingança, etc. Uma possível explicação para esse fenômeno seria que a população esteve no momento da eleição e ainda estejam vivendo uma dissonância cognitiva.

O que seria a dissonância cognitiva?

A dissonância cognitiva pode ser entendida como um desconforto subjetivo que acontece quando a pessoa tem plena consciência da distância entre suas crenças e seus comportamentos, ou seja, a distância entre o que falamos e o que fazemos, como no ditado “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Mas não se preocupe, pois todos os seres humanos vivem, em menor intensidade, uma dissonância cognitiva em sua vida. O problema está na intensidade, que, sempre que agravado, irá acionar mecanismos para lidar com essa situação. Na dissonância cognitiva, a pessoa ignora fontes que trazem dados científicos ou pautados em dados reais, ao mesmo tempo em só procuram por fontes que tragam a informação da forma desejada. Esse funcionamento mental foi o observado no povo brasileiro na hora de optar por um candidato ou outro.

Quais os malefícios da dissonância cognitiva nesse cenário pós eleição?

A dissonância cognitiva levou milhares de brasileiros a ter discussões com seus familiares e amigos próximos, levou a uma polarização política, conflitos no trabalho e medos relacionados ao futuro. Uma pesquisa recente do Datafolha, realizada no mês de outubro, trouxe um dado alarmante de que 49% dos brasileiros deixaram de conversar com pessoas próximas, tais como familiares e amigos, para que não discutissem sobre política. Vale ressaltar que esse afastamento dos vínculos pode acarretar malefícios no campo mental, como sentimento de solidão, menos valia e desamparo. A mesma pesquisa citada do Datafolha, trouxe dados alarmantes que corroboram com a ideia aqui exposta:

A pesquisa mostrou que:

88% dos participantes se sentem inseguros;

79%, tristes;

78%, desanimados;

68%, com raiva;

62% manifestaram medo do futuro e,

59%, mais medo que esperança.

Além dos sintomas psicológicos, sintomas físicos podem estar presentes nesse momento, devido a tensão, como dores de cabeça e musculares, cansaço excessivo, dores estomacais, etc. A nossa saúde mental se dá, em partes, de forma individual, através do nosso autocuidado, mas também acontece de forma coletiva, na relação com o outro, na troca, na parceria, na comunicação assertiva, o que, para muitos, deixou de acontecer no período das eleições.

O egocentrismo nas escolhas por um candidato

O egocentrismo pode ser entendido como uma gama de comportamentos ou atitudes que vão indicar que uma pessoa se refere essencialmente a si mesmo, ou seja, que a pessoa pensa apenas em si e em seus ideais, não levando em consideração um bem comum. Esse funcionamento também pôde ser visto durante o período eleitoral, onde boa parte dos brasileiros ignoraram dados de que a população LGBTQIAPN+, seguidos das mulheres e de pessoas pessoas pretas e indígenas fossem uma das comunidades que estavam na mira de insultos e das perseguições políticas. Essa população, historicamente e ainda hoje, enfrenta mais barreiras para acesso aos serviços de saúde, única e exclusivamente por estarem inseridas nesses grupos igualitários.

Por fim, como todos esses aspectos se ligam com a Saúde Mental?

Toda essa situação de conflito e mal-estar podem estar intimamente ligados a possibilidade do aumento dos sintomas de pânico, ansiedade, depressão e outros sofrimentos psíquicos como tristeza, medo, angústia, raiva, estresse e insegurança, por exemplo. Na falta de recursos, sejam eles emocionais, psicológicos ou financeiros, para lidar com as situações estressantes do dia a dia, as pessoas ficam expostas a se sentirem intolerantes, raivosas, sobrecarregadas e esses fatores respingam nas relações interpessoais, na concentração e no sono, acarretando dificuldades para dormir.

Saúde mental e pós eleições 2022: sobreviveremos?

O fato é que não saímos os mesmos depois destas eleições de 2022. Sobreviveremos! Mas a pergunta é: como? Já que em meio a tanta polarização, amigos e familiares se distanciaram; outros optaram pelo silêncio que ocupou o lugar do medo, certamente, algumas feridas ainda estão a doer para alguns e as cicatrizes disto podem ser a chave da mudança de sintonia mental para uma perspectiva de mais esperança e menos animosidade.

Num terreno externo tão bélico como o que ainda estamos vivendo, o nosso espaço mental não pode mais ser ocupado por negatividades que nos afasta deste protetor mental natural chamado convívio social. Somos seres gregários e precisamos dos amigos e dos nossos familiares que amamos a nossa volta. Precisamos deste ingrediente social de estar uns com os outros para nossa proteção e sanidade. Pense nisto!

Foto: Pexels

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