Por Alessandra Diehl
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em colaboração com parceiros internacionais, lançou em 2018 uma iniciativa intitulada SAFER. A palavra SAFER é um acrônimo para as 5 intervenções mais efetivas para reduzir os danos relacionados com o consumo de álcool. A OMS assim como vários outras instituições e associações nacionais entendem que o álcool não é uma mercadoria qualquer. Para tanto, as estratégias de saúde pública que procuram regular a menor disponibilidade comercial ou pública do álcool através de leis, políticas e programas são formas importantes de reduzir o nível geral de uso nocivo do álcool. Além disto, sabemos que os danos causados pelo uso de álcool são um obstáculo ao alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ou seja, atrapalham o conjunto de aspirações adotadas por todos os membros da Organização das Nações Unidas desde 2015 e a serem alcançadas até 2030.
LEIA TAMBÉM
Os dados fornecidos pela Organização Pan-Americana da Saúde (2022) indicam que o álcool é um obstáculo transetorial ao alcance dos objetivos em diversas áreas da Agenda 2030, como erradicar a pobreza, acabar com a fome, garantir uma vida saudável a todos e educação de qualidade, alcançar a igualdade de gênero, proporcionar água limpa, promover o trabalho decente e inclusivo e o crescimento econômico. Uso de álcool e outros ODS: dimensões social, econômica e ambiental sustentável, reduzir as desigualdades, tornar as cidades seguras e inclusivas, garantir o consumo sustentável, combater a mudança do clima, proteger os ecossistemas terrestres, promover sociedades pacíficas e inclusivas e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
Os vereadores de Londrina, no Paraná, na contramão das recomendações internacionais tanto da OMS quanto dos ODS das Nações Unidas, aprovaram um projeto de lei que libera a venda de bebidas alcoólicas em feiras livres da cidade. A matéria foi aprovada por ampla maioria de votos em sessão on-line, nesta terça-feira (17 de outubro de 20230, com o argumento que isso traria “benefícios significativos para a economia local, promovendo incentivos culturais e variedade de produtos”, assim como “traria equidade de possibilidade de lucros para os feirantes poderem vender bebida como outros setores a longo prazo”.
Bebidas alcoólicas – custo imenso para os cofres públicos
Trata-se de um equívoco imenso, pois os custos para os cofres públicos dos danos associados ao aumento da densidade de pontos de venda de álcool não parecem que foram avaliados a contento. Diminuir pontos de venda são estratégias que proporcionam medidas essenciais para impedir o fácil acesso ao álcool, principalmente por parte de grupos vulneráveis e de alto risco. Assim como, a disponibilidade comercial e pública do álcool pode ter uma influência recíproca na disponibilidade social do álcool e pode, assim, contribuir para a mudança das normas sociais e culturais que promovem o uso nocivo do álcool.
A restrição da disponibilidade tem sido avaliada por diversos estudos como uma intervenção de melhor custo-benefício para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. Recomenda-se aos países que aprovem e apliquem regulamentos sobre a disponibilidade física de álcool, reduzindo os horários de venda (uma medida altamente rentável), fixando uma idade mínima adequada para a compra ou consumo de bebidas alcoólicas e reduzindo a densidade dos pontos de venda (diminuir o número, a densidade e a localização dos pontos de venda), restringindo o uso de álcool em locais públicos.
O aumento do número de pontos de venda de álcool em uma comunidade representa um perigo ambiental por aumentar o risco de consumo excessivo de álcool e danos relacionados a este consumo de álcool – incluindo violência, condução sob efeito de álcool, lesões, traumas, beber em binge (uso excessivo episódico do álcool quando a pessoa consome doses elevadas de bebidas alcoólicas em uma única ocasião), maior acesso de adolescentes a venda de álcool, exposição e concentração de crianças e pré-adolescentes no mesmo ambiente onde se vende e se consume bebidas alcoólicas, conduta ou comportamento desordeiro, ruído, incômodo público e danos materiais, principalmente se os pontos de venda de álcool estão em áreas residenciais e próximos a escolas.
Daí a necessidade de priorizar a equidade na concepção e implementação de políticas para limitar a acessibilidade ao álcool entre adolescentes, incluindo o estabelecimento de distâncias mínimas entre escolas e pontos de venda de bebidas alcoólicas ou a limitação do número de pontos de venda por habitante nos bairros.
Como a decisão em transformar a iniciativa em lei ainda caberá ao prefeito Marcelo Belinati, esperamos que ele, como médico, avalie com maior rigor as recomendações internacionais sugeridas e ajude Londrina a promover as políticas públicas de álcool que são um incentivo ao desenvolvimento sustentável e à equidade. E não dar as mãos a parcerias como a indústria do álcool (produtores e as organizações de fachada que os defendem), os quais põem em risco a Agenda 2030 devido ao conflito de interesses inerente com as metas de saúde pública e de desenvolvimento sustentável.
Alessandra Diehl
Psiquiatra, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Drogas (ABEAD) e membro da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPsiq)
Foto: reprodução da internet
(*) O conteúdo das colunas não reflete, necessariamente, a opinião do O LONDRINENSE.