Por Clodomiro Bannwart
Recém-lançado na Netflix, o filme “Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing” mostra os bastidores da empresa na construção do Boeing 737 Max e a queda de duas aeronaves em curto espaço de tempo, logo após o lançamento.
A Boeing sempre foi lembrada, desde a década de 1960, por primar pela segurança de suas aeronaves. A história, no entanto, começou a mudar em 1997 quando ocorreu a fusão com a Mc Donnell Douglas, outra gigante da aviação americana. A partir daí a preocupação com o lucro sobrepôs a cultura da segurança. A engenharia cedeu lugar ao olhar fixo nos dividendos das ações da empresa. Evitar a queda nos indicadores de Wall Street passou a ser mais importante do que evitar a queda de aeronaves.
Pressionada pela concorrente francesa, com o lançamento do Airbus Neo, uma aeronave mais econômica e mais atrativa para as aéreas que buscam redução de custos em suas operações, a Boeing resolveu contra-atacar e repaginar seu velho 737. Embarcou tecnologia em um projeto antigo.
Para vender mais aeronaves que a concorrente, a Boeing propalou às companhias aéreas que seriam desnecessários os custosos e demorados treinamentos oferecidos aos pilotos. A operabilidade dos novos aviões seria semelhante aos dos antigos 737. Aí estava a cilada!
A Boeing fez alterações significativas no Max, incluindo o sistema MCAS, que os pilotos, sem treinamento, desconheciam. Diante de circunstâncias adversas, os pilotos não souberam reagir a um sistema que eles ignoravam. A queda das aeronaves e o conhecimento dos fatos que motivaram as tragédias colocaram a credibilidade da Boeing no chão.
Lucro a qualquer custo, falta de conhecimento adequado e desinformação induzida de forma consciente produziram duas tragédias que ceifaram centenas de vidas.
O que vale para a Boeing vale igualmente para política. Na condição de cidadãos, somos responsáveis por uma aeronave chamada Brasil. Cabe a nós selecionar o piloto e o copiloto. Não estamos no Cockpit, mas estamos todos embarcados no mesmo avião. Alguns seguem confortáveis na primeira classe. A maioria amarga o desconforto da classe econômica.
É fundamental que tenhamos todas as informações necessárias para fazer a correta seleção do piloto e da tripulação. De nada adianta empurrar um jumento no Cockpit. A aeronave não decolará. O avião precisa de comando.
Quando se observa que há uma estrutura disposta a mitigar informações a respeito da aeronave e um esparre de desinformações para confundir a rota do voo, a tragédia já começou antes de a queda se efetivar.
A desinformação induzida no espaço público não sustenta o voo de um país que teima, quase sempre, a apresentar queda em todos os índices avaliativos. Para um país decolar e assegurar de forma sustentável todo o seu potencial é imprescindível que os corresponsáveis pelo voo – todos os cidadãos – tenham informações transparentes. Desinformação, fakenews e mentiras só ampliam a possibilidade de uma tragédia anunciada. O exemplo da Boeing não deixa dúvida.
Clodomiro José Bannwart Júnior
Professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina. Coordenador do Curso de Especialização em Filosofia Política e Jurídica da UEL. Membro da Academia de Letras de Londrina.
Foto: Divulgação