Por Clodomiro Bannwart
A semana se encerra e deixa um triste registro na história da política brasileira. Inconformados com a derrota nas urnas, os bolsonaristas despiram-se das vestimentas democráticas e marcharam, alucinados, além das fronteiras da legalidade. Atravessaram o Rubicão, sem pudor algum de violar uma série de crimes tipificados no Código Penal.
Bloquearam não apenas rodovias, mas o bom senso e a capacidade crítica. Sorveram do mesmo veneno que ofertam diariamente nas redes sociais: a mentira. Entraram em transe coletiva quando foi lida a fictícia prisão do Ministro Alexandre de Moraes. E novamente deliraram quando anunciaram falsamente uma suposta fraude nas urnas. Que mal-estar civilizacional ver essas cenas chocantes! Freud explica!
As fake news, consumidas a exaustão, constituem o alimento preferencial da histeria coletiva. Parece não haver limites. Nessas horas se vê a importância de existir uma estante de livros dentro de cada casa. Sem isso, não se concebe a casa maior que alberga a todos nós: a nação, lócus de respeito e de pertencimento. Mia Couto diz que “Quem constrói a casa não é quem a ergueu, mas quem nela mora”. E por quê? Porque “o importante não é casa onde moramos, mas onde, em nós, a casa mora”. Onde em nós – em cada um de nós – mora o sentimento de ser brasileiro. Um Brasil democrático e respeitoso ou um Brasil autoritário e rancoroso? Eis a questão!
Mia Couto continua: “A parte mais importante da casa é a janela: a janela é onde a casa sonha ser mundo”. É o lugar privilegiado onde se enxerga e se projeta novos horizontes. As manifestações desta semana demonstraram o anseio de janelas fechadas, a pretensão de uma casa escura e silenciada pela incivilidade. Uma casa sem sonhos, sem visão, sem paisagens.
É preciso recobrar o bom senso, respeitar e fazer respeitar as regras democráticas. Recuperar a aptidão crítica, o diálogo, as amizades desfeitas. Enfim, é imprescindível que o Brasil volte a habitar dentro de cada brasileiro e brasileira e, especialmente, a fazer morada na poesia de Ary Barroso: “Esse Brasil lindo e trigueiro. Meu Brasil brasileiro”.
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Clodomiro José Bannwart Júnior
Doutor em Filosofia, professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina. Coordenador do Curso de Especialização em Filosofia Política e Jurídica da UEL. Membro da Academia de Letras de Londrina.
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