Por Alessandra Diehl, psiquiatra e especialista em sexualidade
Ingênua, perigosa e ineficaz. Essas palavras traduzem o pensamento dos especialistas em sexualidade sobre a campanha desenvolvida pelo Ministério da Família e dos Direitos Humanos, em parceria com o Ministério da Saúde, que prega a abstinência sexual entre os adolescentes. As peças publicitárias, que seriam veiculadas no próximo mês de fevereiro, iriam fazer parte das ações realizadas na Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência e também cairiam como uma luva, na visão das autoridades competentes, para chamar a atenção desse público durante o Carnaval.
O caminho da proibição, definitivamente, não é a melhor escolha para reduzir as taxas de gravidez na adolescência. Esse, inclusive, segue sendo um problema mundial que engloba várias determinantes sócio culturais em diversos países do mundo e, no Brasil, não é diferente. Apesar de uma queda nas estatísticas, aqui, a gravidez na adolescência está acima da média dos países latino americanos.
Dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) demonstram que entre os anos de 2000 a 2016, o número de casos de gravidez na adolescência (10 a 19 anos) teve redução de 33%. Dados preliminares mostram que nasceram 480.211 crianças filhas de mães entre 10 e 19 anos em 2017 e 394.717 em 2018.
A proposta das autoridades brasileiras para continuar diminuindo a gravidez na adolescência, no entanto, é vazia em relação a argumentos. Não existem evidências científicas de que a abstinência sexual é capaz de reduzir a incidência de jovens que se tornam pais precocemente.
Na contramão, os estudos apontam que a promoção de uma educação sexual compreensiva, inclusiva e amigável é a melhor ferramenta para reduzir as estatísticas que permeiam as adolescentes grávidas. A informação continua sendo o pilar de sustentação de programas, ou seja, de ações continuadas que visam a prevenção, mostrando que a relação sexual deve ser um ato responsável. Não adianta falar para os jovens não transarem e acreditar que eles vão obedecer a essa ordem. Eles precisam, sobretudo, conhecer as formas de prevenção, para que a iniciação sexual seja feita de forma segura e autônoma.
As pesquisas apontam que os jovens que recebem educação sexual postergam a primeira vez. Já aqueles que vivem sem informações de qualidade acabam tendo taxas mais altas de iniciação precoce, bem como de comportamentos sexuais não seguros. Por isso, investir em políticas públicas que ofereçam conhecimento para que esse público crie consciência das consequências do sexo sem proteção, é de fundamental importância.
Temos exemplos bem-sucedidos de países que optaram pela educação sexual e não pela abstinência e que tiveram resultados positivos. Em Gana, um país pobre da África, pesquisas constataram que a prevenção da gravidez na adolescência deve ser um compromisso político, realizado em união entre a classe que atua na saúde pública, pais, educadores e campanhas midiáticas.
Tais estudos procuram determinar a influência do acesso a informações e serviços de prevenção da gravidez na adolescência no município de Komenda-Edina-Eguafo-Abrem (KEEA), na região central de Gana. Os pesquisadores mapearam adolescentes do sexo feminino com idade entre 15 e 19 anos no município. Os resultados das análises bivariada e multivariada revelaram que as adolescentes não grávidas tiveram duas vezes mais chances de ter acesso a informações sobre prevenção da gravidez por profissionais de saúde em comparação com adolescentes grávidas. Além disso, as adolescentes não grávidas tiveram duas vezes mais chances de receber informações sobre prevenção da gravidez na escola em comparação com as adolescentes grávidas.
O estudo desvenda ainda outra informação importante, que mostra o enfraquecimento da mídia quando o assunto é a educação sexual: as adolescentes grávidas tiveram cinco vezes mais chances de ter acesso à informação sobre essa temática nos veículos de comunicação, em relação as não-grávidas.
Esses dados reforçam que as medidas brasileiras para coibir a gravidez na adolescência estão na direção errada. Fica aqui nosso questionamento para as autoridades: há algum embasamento científico que norteia as campanhas publicitárias que sugerem a abstinência sexual como solução para as adolescentes que não desejam ficar grávidas?
Voltando ao estudo africano, as conclusões dos cientistas é de que é necessário investir em políticas públicas para incentivar o treinamento específico de profissionais de saúde. Outro ponto levantado por eles é a necessidade de redesenhar as instalações de saúde. A ideia é promover um ambiente de trabalho mais amigável para o usuário adolescente, com melhorias no designer da estrutura para tornar o local mais acolhedor, privativo e confidencial para o atendimento a esse público.
Os programas de divulgação na mídia também precisam ser refeitos e devem combinar outros eventos de nível comunitário, como discussões em grupos focais, que permitem o aprendizado participativo nas escolas, por exemplo.
Na Colômbia, aliás, foram ações realizadas dentro da sala de aula que diminuíram os casos de gravidez na adolescência. A capital Bogotá, com sete milhões de habitantes, conseguiu reduzir em quatro anos (2014-2018) de 417 nascimentos anuais de mães de 10 a 14 anos a 274, e de 16.747 mulheres de 15 a 19 anos a 10.675. O resultado positivo é fruto do trabalho comandado pelo professor Luis Miguel Bermúdez, que se doutorou com uma tese sobre o assunto.
Na sequência, ele colocou o estudo em prática e incluiu a educação sexual no programa do colégio Gerardo Paredes, em um bairro problemático de Bogotá, que tinha um panorama desolador. Em média, 70 adolescentes, sem conhecimento sobre sexo, viam seu futuro travado por uma gravidez não desejada, fruto, muitas vezes, de uma relação violenta – a educação sexual é também, um bom remédio para diminuir casos de estupro. O autor da iniciativa enumera as melhorias no colégio: com menos gravidezes a evasão escolar diminuiu, menos garotas trabalham e a convivência melhorou. O modelo do professor colombiano foi exportado para países como a Espanha.
Fica aqui nosso convite à reflexão para as autoridades brasileiras: não é melhor criar ações com base em iniciativas com resultados concretos ao invés de insistir em uma postura proibitiva e conservadora, que, provavelmente terá pouca ou nenhuma interferência no comportamento sexual dos adolescentes?
Foto: Pixabay