Clodomiro José Bannwart Júnior, Professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina
Nas eleições, durante a República Velha, o que valia mesmo era angariar votos, custasse o que custasse. Naquela época não havia a obrigação de o político convencer o eleitor a coisa alguma. Não se gastava saliva com prédicas ou doutrinas políticas, nem propostas ou programas de governo. Bastava a farta distribuição de favores e de pequenos apetrechos. E assim os políticos foram, eleição a eleição, fazendo escola. Distribuir brindes, bonés, camisetas, sapatos, dentaduras, promessas de empregos e facilitação no acesso a serviços públicos foi regra na política brasileira até recentemente.
As eleições só faziam reforçar uma relação distorcida entre candidatos e eleitores. Ambos moviam-se por interesses privados, não públicos. O eleitor satisfazia-se com as benesses conquistadas – se possível do maior número de políticos – sem assumir compromisso ou lealdade a nenhum deles. O candidato, sabedor de que a conta dos seus préstimos seriam pagos com dinheiro alheio, não importava-se em ofertar, junto aos mimos, a imagem de “homem do povo”, um populismo fabricado nas engrenagens da pobreza material e do déficit educacional. Essa relação promíscua garantia o esvaziamento do debate público, reforçando a ideia ainda corrente de que a política constitui-se num jogo de interesses e de aproveitadores, nada mais.
Nas palavras de Vitor Nunes Leal, autor do clássico Coronelismo, enxada e voto, esse estilo de fazer política falseia a representação política e desacredita o regime democrático. O poder público torna-se refém do interesse privado, sempre a mando dos poderosos que detêm o poder político nas mãos. A política gira em falso sem representar o interesse coletivo, com reiteradas promessas de transformação para que, na verdade, tudo permaneça igual. Não à toa que aqueles já habituados com Getúlio no poder, na década de 30, aplaudiram o Estado Novo, crentes de que a supressão do regime representativo significaria avanços.
Essa mentalidade ecoa ainda hoje quando os céticos com a política recusam reformas e aperfeiçoamentos no sistema político em benefício de discursos que rememoram autoritarismos encarnados em personalidades ruidosas. Em razão de falhas e déficits operacionais no sistema político, depõe-se contra a democracia. Foi assim no Estado Novo, no golpe militar de 1964, e, lamentavelmente, observa-se esse mesmo script diante da crise de representação que perpassa a Nova República. Muitos estão na praça utilizando-se dos mecanismos democráticos, na condição de candidatos, para negar a política. Contradição real, porém, suportada pela democracia e que merece atenção do eleitor.
Em que pese o realismo do quadro pintado, é importante notar que o sistema político tem avançado, conferindo mudanças importantes. Na eleição deste ano ficou determinado, por força da Emenda Constitucional 97/2017, o fim das coligações partidárias para os cargos proporcionais – no caso das eleições municipais refere-se ao cargo de vereador. O impedimento das coligações nas eleições proporcionais teve como objetivo evitar o fenômeno “Tiririca”, situação em que muitos candidatos são eleitos, não por votos próprios, mas pela expressiva votação conquistada por terceiros, os chamados “puxadores de votos”, personalidades ou pessoas carismáticas na sociedade que somam quantidade exorbitante de votos capaz de eleger outros candidatos da mesma coligação. O fim das coligações nas eleições proporcionais mitigará também a proliferação dos partidos pequenos que sobreviviam, em boa medida, das coligações com os partidos maiores para negociações de espaços no rádio e na televisão e, igualmente, de cargos políticos.
Essa mudança é também importante porque irá garantir um espaço maior para a participação da mulher na política, visto que o cumprimento da cota de gênero de 30% que incidia na coligação, agora será aplicado ao partido. Ampliará significativamente o número de candidatas mulheres na eleições, o que é muito importante, além, é claro, de aumentar a quantidade de candidaturas por partidos. Isso demandará um esforço concentrado das siglas partidárias, de forma independente, na conquista dos votos, reverberando numa possível e necessária aproximação entre os partidos e seus eleitores.
As eleições municipais ainda conservam, infelizmente, uma mística negativa ao desvelar candidatos a vereador decididamente sem condições para o cargo que pleiteiam. O quadro das eleições de 2020 mostra que mais de 70% do candidatos possuem como grau máximo de escolaridade o ensino médio. Desse porcentual, maior parte concentra os candidatos com o primeiro grau incompleto. São dados que mostram a fotografia do país, permitindo apontar que o aperfeiçoamento da política passa por mudanças sensíveis no processo educacional.
É imprescindível fazer avançar os índices educacionais para qualificar o debate político, seja no processo eleitoral, seja dentro dos espaços institucionais – Câmaras e Prefeituras – em que os cidadãos serão representados pelos eleitos. A eleição não se reduz a simples escolhas de nomes ou legendas partidárias. Exige mais do que isso. Demanda mudanças de mentalidade e de cultura, requer mais educação e qualificação, clama por pessoas bem formadas e informadas que exerçam plenamente a cidadania. E isso tudo começa com decisões responsáveis e bem refletidas a que todos nós, indistintamente, somos convidados a empreender individualmente, porém, com consequências coletivas.