Por Edmilson Palermo Soares
A região de Chianti está localizada no centro da Toscana, na Itália. Entre Florença, Siena e Arezzo fica, precisamente, uma terra montanhosa, aonde a vinha sempre foi parte integrante da paisagem. As vinhas fossilizadas com dez milhões de anos encontradas na região atestam essa vocação.
Os primeiros vestígios de viticultura desta região datam do período etrusco (século VIII a III a.C.). Os vinhos da Toscana eram exportados para o sul da Itália e para a Gália (França). Desde a queda de Roma, do início da Idade Média até o Renascimento, Chianti foi palco das constantes lutas que aconteceram entre Siena e Florença. Os reinos da época ditavam a vida da população e, consequentemente, os seus vinhos.
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Na Idade Média, o imperador Gibelino, em Siena, e o papa Guelph, em Florença, entraram em confronto várias vezes na área de Chianti durante os tempos de expansão. No início do século XIII, houve uma trégua que primeiro estabeleceu uma linha de fronteiras entre as duas cidades rivais, dando a Florença o controle de Chianti.
Cansados de guerrear, os governantes das duas cidades decidiram por um outro tipo de disputa para estipular sob qual bandeira ficaria a região. Assim, concordaram que dois cavaleiros sairiam ao cantar do primeiro galo da madrugada, um partindo de Florença em direção à Siena e o outro no sentido contrário. Onde eles se encontrassem, seria demarcado o limite dos domínios.
Diz-se que os sieneses escolheram um belo e forte galo branco para dar o sinal ao seu cavaleiro. Já os fiorentinos teriam escolhido um galo negro raquítico, que ficou confinado sem comida. Por isso, o galo de Florença teria acordado mais cedo, ainda durante a noite, e começado a cantar, fazendo com que seu cavaleiro tivesse grande vantagem sobre o rival de Siena, cujo galo só acordaria para cantar já nos primeiros raios de sol da manhã.
O cavaleiro de Siena percorreu cerca de 12 quilômetros dos 60 que separam as duas cidades antes de encontrar o oponente nas proximidades de Fonterutoli, pouco ao sul de Castellina. Assim nasceu a lenda do Gallo Nero, o galo negro que até hoje serve de emblema dos vinhos de Chianti Classico.

As primeiras documentações que tratam do vinho de Chianti remontam a 1398 e o descrevem como um vinho branco vendido pelo comerciante Francesco di Marco Datini.
As três localidades principais (Castellina, Gaiole e Radda) uniram-se e formaram a Lega del Chianti (Liga do Chianti), em 1384.
Em 1716, o Chianti foi oficialmente reconhecido por Grão Duque Cosimo III de Médici, que delimitou as zonas de produção e estabeleceu regras para quatro importantes vinhos toscanos: Chianti, Carmignano, Pomino e Valdarno di Sopra.
A denominação Chianti passa a poder ser utilizada apenas pelos produtores das aldeias pertencentes à Lega del Chianti, Essa liga durou até 1774, e pode ter sido a primeira Denominação de Origem Protegida (DOP) conhecida no mundo, que certifica os vinhos, monitora a qualidade e garante que só serão comercializados os líquidos que são produzidos especificamente neste local.
A demarcação durou até 1932 e, desde então, a área delimitada de produção do Chianti DOP foi-se expandindo gradualmente. Hoje, inclui uma parte significativa do centro da Toscana, abrangendo as províncias de Arezzo, Florença, Prato, Pistoia, Pisa e Siena. Esta região foi oficialmente reconhecida em 9 de agosto de 1967, com a atribuição ao Chianti da Denominação de Origem Controlada (DOC).
A denominação de origem controlada e garantida, DOCG, foi concedida em 1984 dividida em DOCG Chianti e Chianti Classico DOCG.
O Chianti ainda obedecia a poucas regras. Uma das principais uvas usadas na produção era a Canaiolo, juntamente com a Sangiovese, Mammolo e Marzemino. Foi somente no Risorgimento italiano no século XIX, que o vinho tomaria a forma mais próxima do que tem hoje.
Em 1872, após experiências utilizando uvas Sangiovese, Canaiolo, Trebbiano e Malvasia, o então Barão Bettino Ricasoli (primeiro ministro do reino da Itália) “inventou a receita” e assim escreveu: “Os resultados obtidos já nas primeiras experiências confirmam que o vinho recebe do Sangioveto a principal dose de seu perfume (o que eu particularmente procuro) e um certo vigor de sensação; do Canajolo, a amabilidade que tempera a dureza do primeiro, sem tolher em nada seu perfume; a Malvasia, a qual se pode colocar menos nos vinhos destinados a envelhecer, tende a diluir o produto das duas primeiras uvas, não acrescenta sabor, e o torna mais leve e mais prontamente usável na mesa cotidiana”.
A receita do Barão era 70% sangiovese, 15% Canaiolo e 15% Malvasia Bianca. A Trebbiano Toscano não pertencia à receita original. Em 1967, sua “fórmula” foi ratificada pela regulamentação da DOC, com o acréscimo da Trebbiano.
As vinhas destinadas à produção do Chianti são, regra geral, cultivadas a uma altitude de 200 a 400 metros, mas nunca a mais de 700 metros. No que diz respeito aos métodos de cultivo, não existem restrições especiais, contanto que se respeitem as características especiais das uvas.
A especificação para a produção do vinho Chianti, prevê a utilização mínima de 70% de Sangiovese, cuja vinha completada por uvas autóctones (nativas) e alóctones (complementares) e em pequena parte também por uvas brancas como Trebbiano e Malvasia, para produzir um vinho mais jovem.
Chianti Classico
Para o Chianti Classico, no entanto, as uvas brancas passaram a ser proibidas desde 2006, e é possível que se encontre Chiantis com 100% de Sangiovese.
Chianti Classico é uma área específica dentro de Chianti que adquiriu posição independente e é comumente reconhecida como produtora de vinhos de melhor qualidade. Os vinhos de Chianti Classico são controlados por Consorzio del Vino Chianti e reconhecidos por ostentar o “gallo nero” em seus gargalos.
O Chianti Rosso tem como característica um limite inferior de álcool de 10,5% e mínimo de 12 meses antes de ser comercializado.
Produzido a partir das uvas Sangiovese, Chianti exibe uma cor vermelho rubi com tons de laranja queimada – quase terrosos – tonalidade associada a vinhos envelhecidos.
Os melhores Chiantis são uma experiência bem visceral. Aromas como cereja Amarena, amora, orégano seco, vinagre balsâmico, café espresso e tabaco estão presentes no Chianti.
Quando jovem, um bouquet predominantemente floral e picante de canela é perceptível. Apresentam vivacidade e um pouco de rusticidade.
À medida que envelhecem, surgem os aromas de tabaco e couro, com sabor mais rico e mais complexo. A acidez é média-alta e os taninos são médios.
Os Chiantis básicos de consumo diário atingem seu pico de qualidade entre 3 e 5 anos após a safra, com potencial de envelhecimento até 8 anos.
No caso do Chianti Classico, o potencial melhora na garrafa de 6 a 20 anos.

Edmilson Palermo Soares


Enófilo, sócio proprietário da Confraria da Taverna, loja de vinhos e espumantes que traz novas experiências no mundo do vinho, estudioso e entusiasta, com conhecimento prático provando vinhos de mais de 20 países e diversas uvas desconhecidas do público em geral. Me siga nas redes sociais: no Instagram @contaverna, Facebook Confraria da Taverna e Linkedin
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