Não é apenas uma brincadeira. As marcas coloniais ainda perduram em nosso meio e é preciso escancará-las
Falar de racismo é um ato pedagógico. Então, vamos elucidar os fatos, porque eles existem e são noticiados diariamente. Na semana anterior, ganhou visibilidade a notícia de um casal de moradores, da cidade de São Paulo, que não foi atendido ao chegar, sentar e solicitar atendimento em um restaurante para a comemoração de aniversário. Daí, você pode pensar: Isso é coisa de atendimento ruim, o local estava com capacidade máxima por conta da pandemia e os atendimentos demoraram, enfim, muitas justificativas são levantadas para resolver a situação.
Porém, eu esqueci de mencionar o fato preponderante para tal comportamento: o casal era negro. Ao ler a notícia, fui acometida por um ranço enorme, porque essas coisas acontecem conosco diariamente. Sendo mulher e negra, então, isso ganha contornos significativos.
Passei por isso recentemente, quando fui trocar de carro. Ao entrar em determinados estabelecimentos, as pessoas fingiam não perceber minha presença, com certeza por acharem que eu não tinha capacidade financeira para assumir um financiamento. E os olhares de deboche?
O que aconteceu comigo há dois meses, aconteceu com Janaína, nome da mulher negra envolvida na situação, a qual foi até à delegacia com seu esposo e registrou o boletim de ocorrência. Chama-me a atenção o relato de Janaína, o qual irei reproduzir um trechinho aqui: “eu levantava a mão, acenava e ninguém me atendia. Recusaram-se a nos trocar de mesa, ainda com poucas mesas ocupadas, quando solicitamos. Chegavam outras pessoas e eram atendidas antes de nós. Não notavam a gente”.
É sempre assim que o racismo estrutural atua: com mesquinhez e pré-julgamentos, pois, afinal, quem esses negros acham que são para cobrar uma postura do nosso estabelecimento? Não nos notam diariamente e isso é proposital. Julgam-nos por nossa cor de pele e aparência, como se fôssemos sempre os pobretões que não podem comer a porcaria de uma fondue em uma noite de comemoração de aniversário. “Deixem-nos esperar, quem sabe cansam e desistem”. Essa atitude já se arrasta há muito tempo no Brasil, de calar a população negra e querer deixá-la entre os escombros da sociedade.
E ainda bem que a Janaína não se calou, mesmo em meio à humilhação: registrou o boletim de ocorrência e acionou a imprensa. E é assim que tem que ser: não devemos nos calar. A escritora Conceição Evaristo tem uma frase a qual me apego para ter forças. “O que nós conquistamos não foi porque a sociedade abriu a porta, mas porque forçamos a passagem”.
O professor Silvio Almeida, em seu livro Racismo Estrutural, explica como age essa forma de racismo entranhada na sociedade brasileira, permitindo que muitas “Janaínas” não sejam vistas e atendidas.
De acordo com o jurista, há uma naturalização de ações, pensamentos e falas sobre o negro, as quais promovem a segregação da população negra. Ou seja, é normal tratarem as pessoas negras com desdém e os julgarem subalternos, sem fazer uma análise do porquê de tal postura adotada. Não é um caso isolado. Não é uma coincidência. Tais ações são o resultado de uma estrutura social que privilegia o branco e rotula os negros.
A sociedade brasileira acostumou-se a romantizar as violências sofridas pela população negra. “O racismo é parte de um processo social que ocorre ‘pelas costas’ dos indivíduos e lhes parece legado da tradição”. O professor e jurista ainda ressalta que o racismo no Brasil é regra e não exceção. São tristes as constatações, mas precisamos buscar forças entre os nossos e as nossas.
Ou seja: ainda vamos discutir muito esse assunto e novos fatos continuaram a aparecer e algumas pessoas continuarão achando que é “normal”.
Quem é Viviane Alexandrino

Sou a Viviane, tenho 36 anos e atuo como professora de Língua Portuguesa em colégios da cidade de Londrina. Além da formação em Letras Português, pela UEL, e mestranda em Estudos Literários pela referida instituição, sou formada também em Jornalismo, profissão essa que exerci durante 10 anos antes de me apaixonar pela educação.
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