Nesta semana aconteceu um fato que me deixou reflexiva e tem relação com o título da coluna deste domingo. Eu parei para pensar o seguinte: Quantas vezes recebemos elogios e tentamos dar um jeito de descredibilizar a benquerença?
Aconteceu comigo e percebi que por mais vigilante, estude sobre o racismo, combata-o diariamente, ele ainda me deixou marcas enraizadas, as quais insistem em aparecer nos momentos mais sutis do meu cotidiano, da vivência com meus amigos, como o recebimento de um simples elogio.
Por que isso acontece? É simples e dolorosa essa resposta: cresci (emos) ouvindo que não era (somos) bonita (s). Riam do cabelo, faziam piadas desagradáveis com a cor da pele, e isso foi seguindo ao longo da minha vida. E como é difícil se desvencilhar disso, ao ponto de ouvir um “ Vivi, como você está bonita! ”, e eu retrucar com uma resposta ácida e ter que ouvir duramente “ pô, Vivi, aceita o elogio”.
Isso causou um novo caminho de reflexão. Como mulher negra não era comum – e ainda continua não sendo – ouvir elogios sinceros, sem a marca de um racismo recreativo, por exemplo. Sem a marca do estereótipo da mulher negra gostosona e boa de cama, a qual os homens querem conhecer apenas em razão de saciar uma vontade, um imaginário que tem raízes lá na época da escravidão, chamado, hoje, de hipersexualização do corpo da mulher negra, assunto que irei destinar em uma coluna futuramente só para abordar a respeito.
Meu colega de trabalho me fez um elogio. Internamente, era como se tudo o que eu já ouvi de negativo me falasse “mentira, deboche, chateação, não é verdade”, e, automaticamente, houve uma defesa. Fiquei na defensiva para não ser atingida por dores e gatilhos que podiam me machucar logo no início da semana, porque eu não sou forte o tempo todo.
Estou aprendendo – por meio do processo terapêutico – que não preciso ser resistente continuamente, pois há momentos em que minhas dores sangram e elas precisam derramar-se. Desaprender e desapegar mágoas dá muito trabalho. É um verdadeiro morrer e nascer cotidianamente. E sei que esse itinerário não é apenas meu, por isso o compartilho aqui.
Entender que um elogio pode ser sincero, afetuoso, um carinho na alma, uma admiração, é processo que também dá muito trabalho. Compreender que há pessoas honestas ao nosso redor é quase uma palavra cruzada, uma vez que é difícil desvendar os repertórios alheios.
Dessa experiência, levo a seguinte reflexão: estejamos atentas para não sermos diminuídas, mas, também, fiquemos alertas e receptivas para os carinhos que são oferecidos. Ganhamos elogios, porque os merecemos. Precisamos de palavras de estímulos para continuarmos na seguindo. Dá trabalho pensar que não querem nosso mal o tempo todo, afinal, a sociedade brasileira tem doutorado em escrachar o povo negro.
Quem é Viviane Alexandrino
Sou a Viviane, tenho 36 anos e atuo como professora de Língua Portuguesa em colégios da cidade de Londrina. Além da formação em Letras Português, pela UEL, e mestranda em Estudos Literários pela referida instituição, sou formada também em Jornalismo, profissão essa que exerci durante 10 anos antes de me apaixonar pela educação.
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