Moda tem a ver com política?

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Por Ana Paula Barcellos

Pensei em temas diferentes para abordar nessa primeira coluna do ano, mas esse tema ganhou em relevância! Mais de uma semana que aconteceu a posse e esse ainda é um dos assuntos mais falados e buscados na internet: as roupas utilizadas no evento, o povo entregando a faixa… Muitos atos e quebras de protocolo, todos cheios de significado! O maior dele, com certeza, é a roupa usada pela Janja, a primeira dama.

O croqui do terninho babadeiro. Foto: Divulgação

Não é a toa que o traje ainda dá tanto que falar! Janja fez uso político da roupa, da Moda, aquele terninho praticamente gritava! E fez isso de forma genial. Porque sim, Moda tem TUDO a ver com política.

Pra começar, ela ignorou a tradição do uso de vestido ou saia. Com esse ato, além de iniciar um movimento e se tornar a primeira (o que é sempre emblemático), ela rebateu estereótipos de feminilidade e mandou um recado muito importante: não vai ser uma primeira dama passiva, figurativa, Janja veio para trabalhar também, não vai ser mera coadjuvante.

O terninho, chiquérrimo, foi confeccionado pela estilista Helô Rocha (que já havia feito o vestido de noiva da primeira dama, maravilhoso também!) em crepe de seda dourado tingido naturalmente com caju e ruibarbo. Foi bordado com palhas brasileiras pela comunidade de bordadeiras de Timbaúba (RN). Ou seja, numa tacada só, Janja privilegiou a Moda local, ajudou a fortalecer o trabalho artesanal tradicional do nosso país e mostrou que entende a importância de seu estilo pessoal como parte indissociável de sua postura política.

O tecido utilizado para fazer o terninho (composto por blazer, colete e calça)  também tem história: o crepe de seda é vintage, velho mesmo! Ou seja, ainda vem na vibe antenadíssima da moda circulável, sustentável.

Em entrevista para a Vogue, a primeira-dama disse que queria vestir algo que simbolizasse o Brasil, a mulher trabalhadora brasileira. Que queria representar as estilistas brasileiras, em especial as que estão trabalhando nas cooperativas, que iria aproveitar a atenção recebida para dar visibilidade para as marcas brasileiras, uma forma também de abrir caminho para o comércio e circulação das peças produzidas nacionalmente.

Outro que fez uso brilhante da Moda no momento foi o influenciador Ivan Baron, que também subiu a rampa com o presidente. Também de terno (muito estiloso, por sinal), Ivan escolheu uma peça com palavras e frases de protesto nas costas, entre elas a “Parem de nos excluir”. O influenciador tem paralisia cerebral e fez bonito na chance de representar as pessoas com deficiência.

Uma peça, uma frase, um bordado, um corte, um modelo. Até os detalhes das roupas podem comunicar quem somos, o que pensamos, como vemos o mundo e como pretendemos ser vistos pelas outras pessoas, que mensagem queremos comunicar! O ato de se vestir, assim como tudo que a gente faz e escolhe, é político.

Quem também fez uso da Moda como arma política, e de forma brilhante, foi a estilista inglesa Vivienne Westwood, que faleceu no fim de dezembro e por muito tempo foi considerada “subversiva” – e já deixou um vazio tedioso no mundo da Moda. Ela acreditava que suas criações representavam fielmente suas visões políticas durante os anos 70, um dos períodos em que esteve mais fortemente ligada ao ativismo punk, pois tinham o objetivo de “enfrentar o status quo”, questionar a Moda e o padrão vigentes e encorajar os jovens a fazerem o mesmo.

Vivienne Westood e sua “compre menos’. Foto: GettyImages

Ela bombou tanto que, ironicamente, acabou aclamada pela indústria que tanto criticou e a rejeitou no início, e foi parar no mercado de luxo (o colar com o símbolo icônico de sua marca custa quase R$ 5 mil). Mas até o fim de sua vida Vivienne buscou estimular o consumo mais consciente e bateu na tecla de se investir em peças de roupas duráveis e atemporais, que durassem muito tempo.

Que até o jeito que a gente deixa de usar as peças de roupa e as descarta é político, né? Afeta as outras pessoas, afeta o mundo como um todo. E política é exatamente sobre isso.

Ana Paula Barcellos

Viciada em botas, sacoleira e brecholenta, trabalha com criação de joias artesanais e pesquisa de tendências. Tem foto da Suzy Menkes na estante e escreve essa coluna usando pijama velho, deitada no sofá enquanto toma café com chocolate.

Foto: Divulgação

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