Por André Luiz Lima
Quando eu era menino, ainda muito pequeno, já olhava o céu como um lugar de aconchego, sonhava em ser artista mesmo sem saber o significado e brincava criando mundos coloridos de beleza.
Apaixonado, obviamente, por tudo que voava, ganhei de presente de Natal de minha prima Marta um avião amarelo de plástico. Eu corria com os pés descalços encardidos pela terra vermelha, subia nas árvores do quintal e, enquanto meu irmão Toninho empinava papagaio, levantava voo com meu avião. Quem diria que esse presente seria inesquecível?
Desde de criança, olho os céus, as estrelas e continuo a sonhar. O tempo passou e não é que virei artista? Que sorte a minha! Fui salvo pelo sonho! Por um avião de plástico amarelo no Natal.
A Arte dos Encontros me emociona cada vez que a história se faz presente e o que imaginamos quando criança se torna realidade.
Fui fazer um trabalho, como artista, em um projeto da Secretaria da Cultura do Paraná, o “Comboio Cultural“, que transformou nove ônibus em palco, cada um levando uma área artística, resgatando a antiga tradição dos saltimbancos medievais. O Comboio percorreu os 399 municípios do Paraná, semeando alegria, arte e emoção.
Foram 3 mil apresentações, assistidas por mais de dois milhões de paranaenses.
Eu era um desses artistas no ônibus da literatura, contando histórias em praças, escolas, pátios, ou seja, onde tivesse um espaço, o público ia se aproximando.

Eu contava fábulas de Monteiro Lobato com um único elemento, um pandeiro árabe que me ajudava na trilha sonora e como objeto cênico que em um dia se eternizou como a coroa de um rei.
Pois é! Eu transformava as histórias a partir das motivações e sempre atento ao meu público, mesmo que ele estivesse do outro lado da rua, dentro da casa de carnes, em um simples olhar de curiosidade.
Numa dessas viagens, fui para uma pequena cidade que já não me lembro o nome, mas me lembro muito bem do menino José.
Era final de tarde, um avião cortava o céu enquanto José brincava em uma árvore, pés descalços, usava uma camiseta azul turquesa encardida de brincar. O som do pandeiro foi como a trombeta que abre alas para que os anjos desçam e venham celebrar com você, quando o pequeno menino percebeu que algo diferente acontecia, seus olhos ficaram em alerta e as asas da imaginação já não tinham mais limite.



Ele se aproximou rapidamente como o primeiro da fila e já se prontificou a participar.
Chamei José para entrar na minha história da Onça e o Coelho e comecei a ensiná-lo a ser os personagens.
Foi mais ou menos assim:
“Coluna reta, José, agora pisa com segurança, força com os seus pés no chão, flexione o joelho, olhar na frente no objetivo, boca semiaberta para deixar o ar passar”.

“Assim, tio? Assim, tio?”
“Isso, assim mesmo, muito bem, continua, olha para frente, postura.”
“Assim, tio?”
“Isso mesmo, José, agora sou eu e você”.
Nesse momento coloco o pandeiro na cabeça de José como uma coroa e faço a cerimônia de coroamento.
“Agora, José, você é um Rei”.
“Eu sou um Rei, tio?”
“Sim, José, agora você é um rei.”
“Eu sou um Rei, tio!”
Meu olhar se une ao dele!
A noite se aproximava, José olha pro céu e vê uma estrela surgir, fica em silêncio por um instante, se vira para mim, me olha nos olhos e diz:
“Tio, agora que eu sou um rei vou te dar um presente, olhe para o céu, está vendo aquela estrela que apareceu?”
“Sim, estou!”
“Essa estrela é para você, mas deixa ela lá, e quando o senhor olhar o céu vai sempre saber que eu te amo, tio”.
Um Rei menino e um menino Rei na Arte dos Encontros.
Continuo olhando o céu todos os dias.
Ah! Alguém tem dúvida que José hoje é um rei?
Vivas seus sonhos!
Feliz Natal!

André Luiz Lima
Londrinense, ator, diretor, professor, palestrante e produtor cultural
Foto: Sérgio Vieira
4 Comentários
Este delicado texto me provoca amor e ternura no coração. Grata e um alegre Natal!
Emocionante ler esse texto !!! Você é incrível
Amo os artigos que o André escreve. São perfeitos, maravilhosos.
Cada teu encontro tem a força de mexer no mais profundo!! Grata. Paola