Cerca de 100 pessoas em situação de rua são atendidas todas as quartas-feiras com café da manhã e banho quente
Suzi Bonfim
Especial para O Londrinense
Casa da Sopa Benedita Fernandes e Irmã Zenóbia, rua Santa Cecília, 357, Jardim Fraternidade, município de Londrina. É neste endereço que cerca de 100 pessoas, homens e mulheres, têm acesso a um banho quente com direito a sabonete, shampoo, condicionador, desodorante, roupa limpa. Um café da manhã (pão francês com margarina, café com leite ou chá e, às vezes, também tem mortadela e bolo), é servido à vontade todas as quartas-feiras, entre 4h30 e 7 horas da manhã. É o dia em que as pessoas que não têm um teto para morar fazem a primeira e, talvez, a única refeição do dia, pela manhã, neste local. Durante algumas semanas, a reportagem do O Londrinense acompanhou a rotina do Café com Cristo.
A Casa da Sopa Benedita Fernandes, fundada por pessoas da doutrina espírita, existe desde 2009 e oferece comida para esta parcela da população, de segunda a sexta, a partir das 17 horas. As estimativas da Prefeitura de Londrina apontam que, aproximadamente, 1.400 pessoas estão em situação de rua e a Casa da Sopa é um dos 330 locais com serviços de acolhimento da cidade.
PERSPECTIVA
Homens e mulheres com fome de quê? A resposta do coordenador do grupo de voluntários que oferece o Café com Cristo, Leonimer Flávio de Melo – o tio Léo -, 60 anos, é direta: “se eles quisessem comer só o pão e tomar café, bastava parar na frente de qualquer padaria e pedir e, na hora, eles comem o quanto quiserem. Mas eles não vêm aqui para comer o pão da carne, mas para comer o pão da vida, o que dá esperança para vida. Porque a vida deles já não existe mais. Quem está nas drogas, principalmente, no crack como esses meninos estão, só enxerga o caixão na frente dele. Aqui não, aqui eles têm a condição de enxergar uma nova perspectiva, um novo futuro”, afirma o engenheiro elétrico e professor da UEL que faz este trabalho há mais de dez anos.
A cena a seguir, em uma dessas manhãs de quarta-feira, deixa evidente o que o tio Léo diz: Uma mulher, aparentando 50 anos, está calada e com o olhar aflito, sentada em um banco encostado na parede do salão. Me aproximo e pergunto se está bem. Maria Amélia diz que sente muita dor de cabeça e passou a noite perambulando pelas ruas, sem saber para onde ir, desesperada. Os sintomas de ansiedade se repetem todo mês como um dos distúrbios da menopausa que se aproxima. “Eu não sei o que acontece comigo. Parece que vou enlouquecer e vou pra rua sem rumo”, conta ela.
A mulher toma um analgésico e um pouco de chá. Desabafa sobre as dificuldades que enfrenta e fica ainda mais calma com as orações e os pedidos de intercessão que recebe nos minutos finais de funcionamento da casa. Diz que vai voltar mais tarde para tomar banho e jantar. Histórias como esta se repetem a cada semana, em maior ou menor proporção de desamparo e vazio.
Atualmente, no Café com Cristo são distribuídos 470 pães por semana, mas a demanda está crescendo. Até o mês passado, eram 360 pães por semana (6 sacos de 60 pães cada). Cada pessoa come em média 4 a 5 unidades e ainda leva mais pra se alimentar no resto do dia. Este trabalho às quartas-feiras foi uma iniciativa de voluntários que atuavam quando a Casa Benedita Fernandes e Irmã Zenóbia funcionava no centro da cidade. “Até então, só havia o jantar, mas a gente viu que as pessoas dormiam na rua e passavam fome pela manhã. Na rua Sergipe, muitos dormiam na porta e aqui (na rua Santa Cecília) quando a gente chega, eles já estão na porta”, ressalta tio Léo.
A dinâmica da distribuição do Café com Cristo é marcada pela oração. De hora em hora, todos se reúnem em círculo para agradecer e rezar.
Parte dos voluntários se divide no preparo do café, passando a margarina no pão, servindo as pessoas que vão chegando aos poucos e comem no local. Eles também enchem garrafas pet com leite ou chá que, com o pão, são colocadas em sacolas e distribuídas para as pessoas em situação de rua. Outros voluntários se ocupam lavando a louça, varrendo o chão, limpando as mesas, organizando a fila do banho e doando roupas limpas, calçados e cobertores do bazar de usados que existe no local. Com as doações e contribuições dos voluntários o trabalho não para.
O que pode parecer pouco para alguns, transforma o semblante e garante mais dignidade para outras dezenas de homens e mulheres. Flávio Henrique da Silva, 32 anos, desempregado, vive em situação de rua há 15 anos. Banho tomado e roupa limpa, ele diz como se sente: “A gente se sente aliviado, tira um peso das costas e descarrega todas as coisas ruins do corpo,uma energia boa. Isso aqui é abençoado por Deus”, afirma Flávio que, se não fosse o café, estaria sem tem o que comer. “Se não fosse isso aqui, estaria f*****. Tem que dar graças a Deus por que tem pessoas boas assim”.
O rapaz reclama que ninguém dá uma chance pra ele e culpa as drogas pela situação em que se encontra. “Estou na rua por causa das drogas, foi o que me afastou da família. Já fui preso, saí usando tornozeleira e voltei para casa, mas não deu certo. Há quatro anos estou na rua de novo. Venho aqui no café porque eles ajudam a gente”, diz ele.
O frentista Wesley Fernando Correa Bigati, 37 anos, é uma das pessoas que enfrentam o vai e vem de quem não consegue se livrar do vício. “Vivi dez anos na rua, saí há cinco anos e faz um mês que retornei, tive uma recaída nas drogas. Sou de Ibiporã e tenho dois filhos. Quando venho aqui eu sinto paz. Além do alimento, a palavra de Deus me deixa mais tranquilo”, ressalta.
Wesley demonstra interesse em sair da situação de rua, mas reconhece que não é fácil. “Gostaria muito de sair de novo da rua. Quanto mais tempo você fica nesta situação, mais difícil é para deixar esta vida. A gente sabe onde conseguir roupa, alimento e vai levando”, justifica.
AMOR AO PRÓXIMO
Sem questionamentos, as portas da Casa da Sopa estão abertas para quem quiser entrar. A lógica desta doação está baseada nos ensinamentos de Jesus Cristo, na Bíblia Sagrada. O coordenador do Café, conta uma história do apóstolo Pedro que, segundo ele, é o melhor exemplo para traduzir o que o grupo faz aqui.
“Assim que Jesus ressuscitou ele apareceu para os Apóstolos e fez um pedido a Pedro: monte uma casa para atender os meus filhos. Aí então, Pedro, Tiago, João e todos os apóstolos, montaram a Casa do Caminho. Quando apareceu uma prostituta, Pedro disse: aqui é a casa do Senhor Jesus, você não pode entrar. Depois apareceu um bêbado, um cara que fazia arruaça, Pedro disse: não, você não entra, aqui é a casa do Senhor. Pedro era severo, rígido, as coisas tinham que ser certinhas. A Casa do Caminho estava andando, o trabalho estava acontecendo, mas não estava legal. Pedro então, fez uma oração e Jesus apareceu para ele (Humberto de Campos relata esta passagem no livro Boa Nova). Jesus disse: Pedro, o que você está fazendo da minha casa? Pedro respondeu: estou fazendo o que o Senhor me pediu, para eu montar a casa e acolher as pessoas. Jesus disse: Sim, Pedro, mas estou te encaminhando as pessoas e você está mandando embora. Eu te mandei minha filha, ela é prostituta e você não deixou entrar. Enviei outro filho e você mandou embora. A partir daquele momento, Pedro escancarou as portas da Casa do Caminho e todos entraram”, contou tio Léo.
DOAR E RECEBER
Cada pessoa tem a sua história e quando se propõe ao trabalho voluntário afirma que ganha muito mais do que o que está doando aqui. Edilson Chaves Leite, 66 anos, encanador, casado, 3 filhos e uma neta -o Didi, como é carinhosamente chamado- há 5 anos participa do Café com Cristo, para compartilhar a palavra de Deus. “Neste mundo, a gente tem que ser luz para alguém. Eu creio que tenho um pouquinho de luz para chegar em uma pessoa e falar de Deus, mostrar que pra tudo tem um jeito, tem uma saída. A gente se sente feliz fazendo este pequeno trabalho de formiguinha”, afirma.
Segundo Didi, é o sofrimento da alma que faz com que as pessoas se entreguem a este submundo. “A alma chora e as pessoas usam as drogas e o alcoolismo como uma válvula de escape. Já vi muitas pessoas que ouviram uma palavra aqui e conseguiram se livrar do que estava errado, sendo uma nova pessoa”, garante o encanador que é um autodidata em línguas, fala italiano, inglês e espanhol.
O arquiteto André Sell, 65 anos, afirma que o exemplo do coordenador do projeto, o tio Léo, é o seu maior incentivo. “Foi justamente o exemplo dele que me animou desde o início. ‘Fazer o bem vicia’. Nosso trabalho consiste numa assistência tanto material como espiritual para aqueles que aqui vêm. Muitas vezes mais do que o pão com café, eles precisam de um ombro amigo, um ouvido fraterno para ouvi-los. A troca é vantajosa para ambas as partes. Para eles e para nós, que ao termos essa oportunidade divina, crescemos em bem estar espiritual e somos imensamente gratos. Esse trabalho não apenas nos ensina, a cada dia, mas nos faz crescer muito, é como vivenciar uma oração”, ressalta o voluntário.
O carteiro aposentado Fernando Sarachi, que aos 65 anos aceitou o convite para ajudar complementa. “O trabalho é no sentido de compaixão pelo irmão”.
Há mais de dois anos, a servidora pública federal Adriana de Andrade Morais, 51 anos, casada e mãe de dois filhos, participa do café para colocar em prática os estudos da doutrina espírita. De jaleco branco, Adriana dá o suporte para as pessoas que querem tomar banho e é testemunha diária da transformação de cada um. “Eu sempre imagino uma família atrás dessas pessoas. Então, quando estou servindo a eles, estou servindo uma mãe que está preocupada sem saber o destino do seu filho. Quando os acolho, é como se estivesse proporcionando um alívio para as famílias porque elas podem contar com pessoas que se interessam por eles e não olham para eles como indivíduos nocivos para sociedade, mas como pessoas que tropeçaram e merecem uma segunda chance para se levantar e continuar em frente”, ressalta a voluntária, que se diz ansiosa pelo próximo encontro no lugar onde sente alegria. Ela faz questão de registrar com fotos a satisfação de quem tomou um banho e colocou uma roupa limpa.
A busca da superação das dores da alma é uma atitude não só de quem está vivendo em situação de rua. A enfermeira Nilva Maria de Souza, depois de um acidente grave, entrou em depressão e uma psicóloga sugeriu que fizesse um trabalho voluntário. Ela lembra da emoção que sentiu quando esteve pela primeira vez na Casa da Sopa. “Eu chorei um dia inteiro de felicidade porque as pessoas vêm aqui e comem uma comida quentinha, feita na hora, com muito amor e carinho. Fiquei feliz da vida por existir um lugar deste”, garante. O voluntariado passou a ser uma forma de superação pessoal. “Aqui a gente se distrai, esquece os problemas, pensa que tem pessoas em situação pior e isto dá força. Saio daqui leve e sorridente”, afirma.
Para doações e contribuições:
CEF Ag 4005 Operação 001 Conta Corrente 20370-6
Osvaldo Alencar Silva – CPF 762.726.649-15
Chave PIX: cafecomcristolondrina@gmail.com
1 comentário
O trabalho realizado na Casa da Sopa é maravilhoso. Mais que alimentar o corpo desses irmãos, o café e a sopa devolvem um pouco de dignidade a quem é invisível aos olhos da sociedade. Um ação que faz bem para os dois lados: de quem faz é de quem recebe.