Por Alessandra Diehl
Dia 19 de maio é o Dia do Orgulho Agênero. Há que se celebrar sempre o direito de existir. Mas, em termos de avanços, as pessoas de uma forma geral têm que saber que as pessoas agêneras não estão pura e simplesmente em busca de uma linguagem mais inclusiva. As pessoas agêneras querem antes de mais nada serem respeitadas por quem são!
Sendo gênero uma construção social daquilo que determinada sociedade entende e concebe como masculino e feminino, a expressão de gênero e a identidade de gênero podem variar dentro deste espectro de possibilidades. Em outras palavras, trata-se apenas de uma variação dentro da “normalidade”, entendida aqui enquanto um conceito matemático de mais frequente ou mais encontradiço ou mais comum.
Pessoas agêneras sempre existiram e não existe uma “causa” para explicar a sua existência. Não é a negação de seu “sexo”, que é sempre biológico. ou simplesmente um modismo de querer quebrar regras. Elas simplesmente são! Em outras palavras, são capazes de transitar entre os gêneros, sem necessariamente identificar-se com um destes dois polos binários, que é o masculino e o feminino que habitualmente conhecemos e que nos restringe.
A maior visibilidade desta minoria traz esta falsa impressão de que temos mais pessoas agêneras atualmente do que tínhamos há algumas décadas atrás. Dentro deste contexto, surgem vários pensamentos e narrativas equivocadas de que estaríamos então diante de um “fenômeno cultural” ou altamente “influenciado por movimentos de esquerda”.
Daí a importância de reconhecer a necessidade da orientação sexual e da identificação de gênero estarem entre as pesquisas de censos nacionais como o IBGE, por exemplo. Esta é uma possibilidade mais concreta de dimensionar determinadas minorias sexuais e suas expressões que podem ou não demandar atenções específicas ou políticas públicas específicas para determinada vulnerabilidade.
Esta expressividade agênera enfrenta tanto preconceito como tantas outras minorias. Talvez enfrentem até um pouco mais porque a sociedade ainda tem dificuldade de pensar fora de “rótulos” e “caixinhas” e, muitas vezes, tende a julgar agêneros como pessoas indecisas, pessoas que não sabem o que querem, pessoas “meio loucas” ou ainda pessoas “perdidas” e que de fato não são!
Como todas as demais identidades de gênero, não sabemos o que de fato determina alguém ser cisgênera, transexual ou agênera. Portanto, não é algo determinado necessariamente por uma herdabilidade genética, por exemplo. A quebra dos estereótipos de gêneros binários não é uma resistência cultural fruto da absorção de valores do meio, mas sim como são e ponto!
O preconceito moral talvez advenha do fato de que a nossa sociedade tenha sido ensinada a pensar dentro de caixinhas e parece ainda compreender melhor fenômenos que são mais prevalentes, ou seja, mais parecidos com a maioria. Pessoas que fogem deste padrão da maioria, muitas vezes são rotuladas como “doentes”. Tudo isso é fruto do medo de lidar com o diferente e tem raízes na transfobia também.
O nosso mundo anda muito complicado, principalmente porque dogmas religiosos, fundamentalismos e visões obscurantistas do mundo têm gerado mais violência e desrespeito, pois tendem a responder o entendimento de fenômenos essencialmente humanos como a existência de pessoas agêneras como “desviantes”, “perversas” ou passível de “cura” ao invés de responder com acolhimento, amor, respeito e humanidade.
Conversando mais sobre a questão, reavaliando os nossos próprios preconceitos e as nossas dificuldades de lidar com a diversidade e a diferença, assim como, combatendo toda e qualquer forma de intolerância nos espaços de trabalho, nas escolas e nas universidades podemos ser um dos caminhos para melhorar o preconceito.
Alessandra Diehl – É psiquiatra em Londrina e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD)
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