Já ouvi falar em cadáveres , dinheiro e até armas guardadas em freezer, mas a história que vou contar é sobre guardar lembranças dentro de um velho e enferrujado exemplar do eletrodoméstico, em uma garagem classe média de Curitiba.
Lembrei dessa história porque na última sexta-feira, dia 17, fez 45 anos que nevou na capital paranaense. Foi nessa data que os moradores viveram uma das maiores experiências coletivas que se tem notícia, fato que é relembrado ano a ano em todos os veículos de comunicação do Estado.
A histeria tinha fundamento. Fenômeno parecido só havia sido registrado em três datas anteriores, em 1928, 1942 e 1955. E como acontece até hoje, a cada inverno que chega, a expectativa é que a experiência se repita.
Foi em 1990 que eu, paulista, grávida de seis meses, tomei contato diretamente com o fenômeno que abalou a capital paranaense. Na busca por uma pauta diferenciada, naquele ano, o diretor de redação do extinto O Estado do Paraná, o saudoso Mussa José Assis, descobriu um fato inusitado: um curitibano que havia guardado um boneco de neve em um freezer, durante aquela década e meia, ou seja desde 1975. Missão dada, é missão cumprida.
Chegando na casa do empresário, fui levada à uma garagem aonde se encontrava um velho freezer vertical. Dentro dele, duas bolas de gelo. E só. A matéria focou-se nas memórias daquele dia histórico, em que toda a cidade parou para brincar na neve. E com dados meteorológicos.

Para que a precipitação de neve ocorra, as condições climáticas têm que estar alinhadas. Segundo a Wikipedia, a neve é um fenômeno meteorológico que acontece quando as nuvens se encontram com temperatura inferior a 0°C. Desse modo, o vapor de água se condensa formando cristais de gelo, que podem apresentar diversas formas.
A incidência de neve se dá em regiões do planeta cujo clima é frio (zonas polares) ou temperado. Ou seja, é bem raro. Mas naquele 17 de julho de 1975, aconteceu. E foi um delírio coletivo.
De acordo com a imprensa da época, a cidade toda foi para a rua viver, e registrar, o fenômeno. Foram sete horas de precipitação e de festa coletiva. Ainda não havia redes sociais, mas as selfies bombaram. Todos tiraram fotos junto à camada de gelo que se formou.
Mas as baixas temperaturas só foram vistas com festa na capital. O Paraná, um Estado agrícola por excelência, teve suas plantações quase que completamente destruídas, incluindo Londrina. A “Geada Negra”, como ficou conhecida, inutilizou grande parte da maior riqueza da região Norte: o café.
Para se ter uma ideia da força do Ouro Verde, na década de 60, o Estado concentrava cerca de 50% da produção nacional. Ao todo, eram 1,8 milhão de hectares de café, com uma média de 20 milhões de sacas colhidas. Em 1975 a cultura já havia perdido um pouco da força para o trigo e a soja, mas ainda era uma das principais culturas da região. Muitos agricultores faliram, pois a geada queimou tudo o que se foi plantado sobre a terra vermelha. Uma verdadeira tragédia.
Na capital, no dia seguinte, a manchete do Estadinho, feita pelo Mussa, estampava: “Curitiba branca de neve “ e também entrava para a história da imprensa paranaense. Já a minha matéria em 1990 ganhou chamada de capa, com foto do empresário ao lado do freezer. Até hoje me pergunto se o boneco já derreteu, ou não.
Mais recentemente, em 2013, o fenômeno neve se repetiu, mas só durou uma hora e atingiu 26 cidades do Estado, incluindo a capital. Em outras 19 veio em forma de “chuva congelada”. Os estragos na agricultura não tiveram a mesma dimensão e intensidade de 1975.
Em 2013 não deu nem tempo de ir para as ruas fazer um Olaf e congelar para a posteridade.
Fotos: Portal da Memória Brasileira
Raquel Santana

Já foi jornalista, acha que é fotógrafa, mas nesses tempos de Covid-19 ela só quer sombra e água fresca no aconchego do seu lar. Vendo seriados, óbvio!