Por Cassiano Russo, professor de filosofia
Não sei o que sou, porém sei que nada serei na vida. Nunca. Não passo de um desempregado que preenche seu tempo livre com crônicas que nada dizem além da insignificância existencial de seu autor. Aqui estou como um esfarrapado metafísico, uma negatividade ontológica. E não há luz neste meu universo tomado pelo Nada. Estou constantemente à beira do abismo da destruição, com minha revolta metafísica de escravo que recusa sua escravidão, mas que não passa de um pobre escravo, preso aos grilhões desta inexistência maldita de uma vida que nunca se concretiza.
Assim, permaneço sempre na expectativa da libertação das amarras do não-ser, mas sou sempre o mesmo morador de minha própria rua, que nunca encontra abrigo, ou proteção, pois todas as portas estão fechadas. Mendigo ou cachorro, eu sinto diariamente a fome de estar lá fora com os outros. Sei que minha infelicidade é cara demais – e também pesada, porque tenho de pagar pelos meus pecados, como um condenado às galés do pensamento negativo, na minha antifilosofia que é tão filosófica quanto os dentes de uma fera a devorar sua presa, restando-me sangrar nos meus próprios dentes de animal acuado pela Verdade. Ela dói, a Verdade, mas, no momento, é minha única religião de cujo culto sou fiel seguidor, como os crentes que se debatem no chão, em seu delírio de manifestação do Espírito Santo.
Como amaldiçoado, minha espiritualidade é meu delírio, que registro neste texto para que todos saibam da minha loucura, com a sanidade a se apresentar como utopia, como não-lugar, porque tenho transtornos esquizotípicos, porque sou avesso aos homens, e apenas acredito em fantasmas, com os quais converso diariamente, e debato nossa condição de derrotados clarividentes do caos que é haver gente normal no mundo.
Uma pluma cai no jardim. É o peso da vida. No meu jardim de cactos que brotam da minha alma, que de tanto pensar está seca e vazia. E somente meu corpo permanece na imundície de condição tão vexatória, como vexatório é estar neste mísero lugar perdido na imensidão do universo. Mas vocês são normais. Têm trabalho, família e fotos nas quais aparecem sorridentes, com seus dentes brancos e valiosos, dentes de marfim. E enquanto vocês estão sempre a sorrir, eu choro por estar morto, pois somente eu sei que nós estamos todos mortos, pois, daqui a setenta anos, tudo se perderá na memória das gerações vindouras.
Sou o único morto consciente. E antes viver como um defunto do que ser feliz na ignorância do doente que se julga são, como esses coitados que querem aparecer nas redes sociais. Pois a grande queda já ocorreu, e estamos todos no fundo de um vale, e eu venho, por estas minhas alucinadas linhas, anunciar a nossa insignificância de verme morto no cemitério. Reitero que isto, que tão corriqueiramente é chamado de vida, não passa de um grande mal-estar, um mal-entendido da criação, que somente um desocupado como eu encontra tempo para registrar numa crônica.
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