Raquel Santana (*)
Ter acesso a uma universidade, vinda de uma família pobre, mas limpinha, foi um privilégio. Fui a primeira de quatro irmãos, seguida por meu irmão mais velho, que depois de casado e pai de dois filhos, foi fazer Odontologia. Se hoje é difícil, imagina mais de 30 anos atrás. Maior orgulho!
Entrei em três cursos diferentes – letras, administração e comunicação social. Optei pelo último, que na época, depois de dois anos de curso, o aluno optava por jornalismo ou relações públicas. Escolhi jornalismo. Até 2009, havia a obrigatoriedade do diploma. Hoje não há mais, mas recomenda-se. Na minha cidade, lá no interior de São Paulo, há 33 anos atrás, acredito ter sido a primeira diplomada.
Na pequena Boa Esperança do Sul, o mais próximo de um veículo de comunicação que tínhamos era o alto-falante do Natalino Camarosano (sim, ele nasceu no Natal), que todos os dias tocava pontualmente a Ave Maria às seis da tarde. Ele também fazia umas propagandas do comércio local e rodava umas serestas lindas. Eu amava essa hora do dia.
A família era bem conhecida na cidade. Sua irmã, Regdalina, tinha o posto telefônico da cidade. Naquela época, os números não tinham nem três dígitos. E sim, suspeitava-se que ela ouvia todas as conversas. Ainda me lembro do cheiro das cabines, do aparelho de manivela e do chão quadriculado.
Podia -se dizer que os irmãos Camarosano dominavam a comunicação da cidade. Pelos altos-falantes a gente sabia quem casava, nascia ou morria. Esse último de um jeito bem tétrico. Era a Ave Maria tocar fora do horário e a certeza que alguém tinha partido dessa pra melhor.
Natalino foi o homem da comunicação da minha cidade. Lembro dos alto-falantes em cima dos postes na praça e do som enquanto brincava de pique esconde no coreto.
Também foi em Boa Esperança que rodei meu primeiro jornal pelo Leo Clube (a juventude do Lions Clube), num mimeógrafo e distribui na cidade. E foi com esse espírito caipira e pioneiro que cheguei em Londrina sonhando com a profissão.
Quando voltava nas férias e perguntavam o que eu estudava, falava de boca cheia. Tinha gente que nem sabia que tinha faculdade de jornalismo.
Vinda de um ensino formal numa época em que cantávamos o hino nacional e batíamos continência para o Coronel Emílio Garrastazu Médici, com direito à fotografia do mesmo em sala de aula, amei as aulas nada ortodoxas da universidade. Demos a sorte, ainda por cima, de ter aulas com professores recém chegados de seus estudos fora do país. Foi como se eu tivesse partido minha cabeça ao meio, tamanha a revolução que se operou em mim.
Das aulas no sol no inverno do querido professor de semiologia Ivan Santo Barbosa, recém chegado do Japão, às aulas de teatro da carioquíssima Sônia Weill, descobri que universidade ia muito além do ensino formal. Passei a enxergar o mundo de outra forma. Conhecimento é tudo.
Na pequena Boa Esperança, nas salas do Colégio Estadual Coronel Marcelino da Silva Braga, o outro coronel, o Emílio, ficou para trás. Foi na Uel que participei e acompanhei todo o movimento pelas eleições diretas. Em tempos em que o coronelato ameaça voltar às salas de aulas, espero que a tal foto seja apenas uma lembrança de outros tempos. E que fique nas paredes das casernas.
(*) É jornalista radicada em Curitiba mas apaixonada por Londrina