Por que relativizamos o respeito aos mortos que não conhecemos?

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Por Fábio Luporini

Dias atrás li nos jornais a notícia de que um cemitério em São Paulo abrigava em um depósito de alvenaria uma grande quantidade de ossadas humanas, todas retiradas das sepulturas, sem identificação e separadas de maneira inadequada. O descaso com os restos mortais chocou moradores da região e parentes de familiares falecidos e enterrados ali. Apesar de ser obrigatória a exumação dos ossos três anos depois do enterro, com o objetivo de liberar o já escasso espaço nos túmulos, a administração do espaço precisa armazenar os ossos individualmente e devidamente identificados.

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Entretanto, ao olhar para uma situação como essa, que choca, revolta e chama a atenção do poder público, não tem como não comparar com uma igreja localizada em Milão, na Itália. A igreja de São Bernardino alle Ossa tem um pequeno corredor que dá acesso a uma capela decorada com ossos nas paredes, transformada em um verdadeiro ossário com diversos itens expostos, desde crânios até outros tipos. É que o local foi construído em 1210, quando um cemitério adjacente ficou sem espaço. Em 1269, uma igreja foi anexada. E virou o que é hoje.

A diferença é que essa igreja se transformou num ponto turístico em Milão, o qual eu mesmo já visitei e fotografei. Só que ninguém fica chocado ao ver e quase poder tocar os crânios humanos estampados na parede. Por que, então, relativizar as duas situações? Filosoficamente, as pessoas prestam mais respeito e, por isso, ficam mais chocadas com o descaso, em relação aos ossos de pessoas às quais elas consideram e se sentem mais próximas. Afinal, no cemitério em São Paulo pode ser que os ossos mal armazenados sejam de gente conhecida e das quais as pessoas sentem saudade.

Ao passo que, em Milão, quem visita a igreja ou mesmo quem mora por perto, não faz ideia de quem sejam aqueles crânios. Até porque são de pessoas que morreram há muitos séculos. A falta de proximidade e conhecimento faz com que a gente relativize a situação, mesmo que os ossos estejam “enterrados” em uma igreja católica, religião que recomenda o maior respeito aos mortos. Os “dois pesos e duas medidas” se dão por conta do distanciamento histórico-social que existe. Algo para refletirmos.

Fábio Luporini

Sou jornalista formado pela  Universidade Norte do Paraná e sociólogo formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) . Fui repórter, editor e chefe de redação no extinto Jornal de Londrina (JL), atuei como produtor na RPC (afiliada da TV Globo), fundei o também extinto Portal Duo e trabalho como assessor de imprensa e professor de Filosofia, Sociologia, História, Redação e Geopolítica, em Londrina. Me siga no Instagram – @fabio_luporini

Foto: Fábio Luporini

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