Por Angela Diana
Hoje, começo essa coluna falando das mulheres que foram artistas e que foram muito próximas a mim, influenciando minha vida e a forma de enxergar o mundo como uma MULHER! Elas foram artistas também, mas não reconhecidas como tal!
Uma delas foi a minha bisavó materna, Olga Fontana…ou para nós todos, simplesmente “vó Mãe Véia”. Meu biso morreu cedo, deixando-a com cinco filhos para “criar”. Além de trabalhar no sitio, ela fazia crochê e costurava colchas de retalhos (que hoje em dia, damos o nome “chique” de patchwork)!
A família veio de Trento, na época que a cidade era da Áustria (como é divisa com a Itália, houve épocas em que a cidade pertencia aos dois países). Vieram para Minas Gerais e, caso vocês não saibam, o povo mineiro além de trabalhadores compulsivos, são mega criativos e tem uma sabedoria milenar! Mineiros, além de terem histórias para tudo, também tem ditos para qualquer assunto!

O detalhe mais significativo nessa mulher é, que quando o biso morreu, vários parentes disseram que cada um cuidaria de um de seus filhos…Ela respondeu: “Meus filhos não são cachorros para eu doar”! E os criou, sozinha! Aonde está a arte nisso, Angela? Ela (muito provável, pois na época não se sabia tanto como hoje), tinha artrose, e seus dedos entortaram, como garras de um pássaro (minha bisa, para mim, era realmente uma águia, com inteligência e olhar aguçado, sem escolas formais, apenas a escola dura da vida). Ela fazia lindos crochês! E me ensinou a fazer a tal “correntinha” e, como suas mãos eram tortas, eu demorei para perceber que apenas ela segurava a linha como um gancho (assim que eu aprendi) e que a maioria das pessoas não fazem desse jeito…Quem faz crochê, sabe do que estou falando!
Lindos e maravilhosos crochês e colchas de retalhos…Trabalhos que hoje em dia, rendem páginas na internet! E que é valorizado…Minha bisa era uma artesã, que fazia costura para cuidar dos filhos, era uma artista, mas nem ela mesma sabia! Eu sei! Pois o que nos restou dela foram uma colcha amarela e uma colcha de retalhos todo em tons de azul e cinza.
Outra mulher, que não foi reconhecida era a Maria Polini Diana, ou “vó Mariucha”, minha bisa paterna… Além de benzedeira e com o dom da mediunidade, ela escrevia poesias… Lia muito e veio para o Brasil com 15 anos! Era de Roma, conheceu meu biso Antônio aqui (ele era da Calábria) e adorava musica! A história deles como casal foi muito conturbada, mas com certeza a sensibilidade dela para a arte e a dele para a música, talvez de alguma forma mantiveram os dois juntos ate a morte dele.

E com isso, chego na minha tia-avó Olivia Diana Cabral, ou tia Olivia! Filha da vó Mariucha e do vô Antônio! Costureira de mão cheia, uma mulher à frente do seu tempo que “pagou” caro por ser tão independente! Casou-se três vezes, o primeiro marido a traiu várias vezes, era boêmio… Com ele ela teve seus dois filhos. O menino morreu com 11 anos, e a filha com 24 anos de Doença de Chagas.
Nessa época, tia Olivia já trabalhava na antiga “Casa Torres”, uma famosa casa de noivas aqui da cidade. Ela logo montou seu próprio atelier e aprendeu a fazer o “verdadeiro” plissé (Para quem não sabe, ele é feito no vapor). Tia Olivia desenhava os modelos, seus vestidos eram feitos para toda a elite da época e ela chegou a viajar para fora do país para fazer o vestido da noiva e das madrinhas (viajou de avião)! Imaginem isso nos anos 60, 70! Era alta costura!
E ela, por 40 anos, fez todas as saias dos uniformes do Colégio Mãe de Deus. Foi ela uma das primeiras pessoas que mais me incentivou a desenhar e me deu os primeiros papeis “canson” da minha vida… Eles eram importados e usados para fazerem os moldes dos plissados. Quando criança, tive a sorte de ter lindos vestidos e, claro, ela dizia que uma boa costura se conhece pelo avesso”! Além de tudo, ela fazia chapéus e flores ! Todas as vezes que sinto o cheiro delicioso de voil (ou “voal”), minha memória me leva ate o ateliê dela (eu era muito pequena, mas me marcou profundamente).

Se vocês quiserem saber mais sobre ela, a Ana Paula, na coluna EM ALTA, escreveu sobre ela lindamente neste texto! Infelizmente não temos nenhuma foto dos desenhos ou dos vestidos… Adoraria que, se alguém que ler essa coluna, conhecer alguém que teve um vestido feito por ela, me mandasse a foto! Eu ficaria extremamente feliz!
Hoje foi o dia de resgatar mulheres poderosas, artistas, nunca reconhecidas como tal e suas obras se perderam no tempo…Essas memorias atávicas e afetivas moldaram minha carreira e minha vida e me influenciam até hoje, principalmente nas minhas obras.
PS- E como esse jornal também é feito por duas mulheres poderosas, a melhor forma de reconhecer o trabalho delas , é contribuir com elas para que o jornal continue firme e forte, assinando o Catarse.me/olondrinense
Conheçam suas raízes, vocês podem se surpreender!
Pax vobiscum e viva a vacina!
Angela Diana

Sou londrinense e me dedico à arte desde 1986 quando pisei pela primeira vez no atelier de Leticia Marquez. Fui co-fundadora da Oficina de Arte, em parceria com Mira Benvenuto e atuo nas áreas de pintura, escultura, desenho e orientação de artes para adolescentes e adultos.
Foto: Acervo pessoal