Por Ângela Diana
A coluna hoje está num tom de tristeza…
Perdemos nosso amigo artista Fernando Martinez essa semana…
Fernando trabalhou anos na Secretaria de Cultura, foi aluno da UEL, fez parte do conselho da galeria Banestado e, com maestria, a jornalista Célia Mussili, da Folha de Londrina, escreveu uma coluna sobre o Fernando e sua obra.
Então, quero aqui , como forma de agradecimento trazer para você que, se não fosse o Fernando, o mural do PAI, as esculturas e as camisetas não teriam saído.
O mural não existe mais, não tem como você que lê a coluna saber da importância e do impacto que isso teve na minha vida e de muita gente.
Quando o prédio do PAI estava sendo construído, queriam um projeto para que crianças fizessem o mural. O projeto do União da Vitória era o único que tinha um grupo que daria conta do recado, já que estávamos na lida desde 1994 e as crianças e adolescentes que faziam parte do projeto, na época, tinham aulas diferenciadas e já tinham participado de vários eventos, inclusive exposição coletiva na antiga e saudosa sala Antônio Teodoro.
Eu não sabia, na época, que o espaço do mural estava sendo sendo disputado à tapas por alguns colegas que nem projetos tinham com crianças (em todas as áreas existem alguns que não são éticos, né?)
O Fernando bateu o pé e mostrou que nosso projeto era o único que cabia em tudo o que era preciso!
Reunião da turminha e combinamos quem queria participar! Filmamos tudo…desde a escolha dos temas, o projeto de cada um para seu espaço no muro, tudo feito como profissionais.
A Elo (Eloisa Helena), que dava as aulas de arte durante a semana no projeto; Moisés Santos (que foi meu aluno no projeto e meu “braço direito” no meu atelier por anos), nosso amigo Eduardo Tadeu e as artistas Val Frei, Ana Sakae, Marília Menon – alunas do atelier e excelentes artistas – se propuseram a participar também, monitorando tudo… Afinal, o muro tem 60 metros por quase 2 metros de altura.
Ficamos dias, embaixo de sol e foi maravilhoso
Fernando então chega com a notícia que faríamos três esculturas para colocarmos dentro dos jardins do PAI.
Nessa fase, seríamos só Eduardo Tadeu, eu, Val, Ana, Marília e o próprio Fernando que trabalharíamos mais de 15 dias dentro do meu atelier, para montarmos as esculturas feitas de armação de arame e a técnica de papel machê.
Fernando e Tadeu conseguiram fazer uma liga de cimentcola e verniz acrílico, para passarmos em cima do papel, transformando as esculturas em peças próprias para ambientes externos!
Nessa, a convivência de todos os dias de manhã à noite foi pra lá de divertida! E nesse também, o Fernando convidou o Frutuoso pra estar conosco no projeto, me apresentando um artista que eu já admirava e que virou meu irmão na vida! (Azar do Fru! )
Foi exaustivo, mas filmamos tudo, colocamos música e a prefeitura deu todo o material, e mandava os lanches…. Um dia, todo mundo cansado de sanduíche de presunto e queijo, minha vó Maria (eles estavam morando aqui, meu avô fazia o tratamento do câncer no Hospital do Câncer) chamou todo mundo para almoçar na casa dela! (Minha vó, quando soube que passávamos a Coca-Cola e sanduíche, achou um absurdo e muitas vezes fazia o almoço pra gente!)
Que época! Tínhamos um prazo apertado, mural pronto, esculturas para serem colocadas e daí o que acontece? Uma semana de chuva!
De manhã, chuvisco caindo, Fernando, Tadeu e Frutuoso foram no PAI e eles mesmos cavaram os buracos para a fundação das esculturas!
A tarde, todos em cima do caminhão da prefeitura, levando as meninas para seus lugares.
Tenho vídeo para provar!
Eu havia realizado um grande sonho! Colocar as crianças para um projeto que seria a prova que elas eram capazes, que teriam um trabalho delas na sua cidade, que deveria durar por gerações e foram feitas camisetas com as figuras do mural, para serem vendidas e divididas entre as crianças que pintaram e as restantes vendidas para que o dinheiro fosse para o projeto!
Cada profissional recebeu uma fortuna de R$70,00 na época. O resto foi o tempo doado para o projeto.
O esforço das crianças, dos amigos e amigas e o empenho do Fernando para tudo isso acontecer.
Talvez ele nunca ficou sabendo o que isso significou para as crianças e para mim!
O filme seria editado e mandado para o UNICEF… Claro que, na minha cabeça, poderíamos conseguir com que o projeto crescesse e mais profissionais e os tantos que já trabalhavam no União tivessem mais estrutura para ensinarem e as crianças e adolescentes teriam muitos mais caminhos abertos!
Não era um sonho impossível, mas Londrina como sempre “pisou na bola”, a velha falta de vontade política… Não conseguimos editar o vídeo e não tinha nada a se fazer, já que esse tipo de edição na época era caríssimo.
Tínhamos também pintado as 4 estações no muro lateral… Esse foi o primeiro a ser coberto com uma tinta cinza “morta”.
Nenhum cuidado de preservação foi feito no mural, nunca fomos chamados para isso e qualquer projeto que apresentei para manter o mural e as esculturas foi negado.
O mural foi esmaescendo , até morrer, coberto com uma tinta branca daquelas de túmulo de cemitério e as esculturas… Não tive mais a coragem de ir vê-las.
Valeu Fernando!
Valeu Tadeu! ( Eduardo Tadeu foi-se também em dezembro de 2024)…
Sem palavras…

Enquanto você acredita que a arte não vale nada, tem muita gente que muda a vida de outras pessoas para melhor, que levanta a bunda da cadeira e que vai trabalhar para o bem de outros ….
Aqui meu agradecimento profundo para nossas crianças do projeto, que já cresceram, para os orientadores da época (alguns, já se foram), pessoas anônimas que mudaram a vida de muita gente para melhor. Meu agradecimento aos amigos e amigas que, nos 8 anos de projeto, estiveram comigo, sem ganhar nada, ajudando nas expôs e mesmo com uma mixaria de R$ 70 reais na época do mural, enfrentaram sol e chuva, pelas crianças…
As crianças participantes, além das camisetas, também receberam cachês, ninguém ficou sem receber nada, para que elas todas vissem que a arte podia ser um sustento!
Fica aqui meus parabéns a todos os politiqueiros que, com os anos, fecharam salas de exposições, sucatearam os projetos, detonaram com nosso trabalho, e ganharam muito dinheiro com isso!
Parabéns para quem “demoniza” a arte e que nunca teve a coragem de ser voluntário em nada!
Parabéns aos politiqueiros nessa cidade que pensam apenas nos próprios bolsos! Vocês tiram da boca de crianças, adolescente e pessoas que poderiam ter um futuro muito melhor e fazer dessa cidade o que ela merece de bom!
Ainda tenho o filme e, ao menos agora, mesmo sem a edição, vou mostrar na expo do grupo da oficina no Sesc Cadeião, que acontece em outubro, numa expo especial!
Vocês se foram, mas estarão conosco
Fernando, Tadeu…estarão conosco ! Já seriam os convidados…mas a grande nave (como dizia o Tadeu) resolveu levá-los antes.
Fica aqui, também, a lembrança do Jajá Bellucco e do Paulo Mentem. Enquanto estivermos vivos eles não serão esquecidos.
Enfim… boa sexta!

Ângela Diana
Sou londrinense e me dedico à arte desde 1986 quando pisei pela primeira vez no atelier de Leticia Marquez. Fui co-fundadora da Oficina de Arte, em parceria com Mira Benvenuto e atuo nas áreas de pintura, escultura, desenho e orientação de artes para adolescentes e adultos. Instagram angela_dianarte
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Uma resposta
Ele deixou História na Arte, assim, pensemos que ele não foi embora, apenas se transformou em Telas, Tintas, Pincéis e Sublime Inspiração para os que estão por aqui, lidando com os entraves da burocracia e ausência de Apoio à Cultura, às Artes e à Literatura… que tanto os sonhos quanto as saudades nunca falte a todos vocês, pessoas que amam a Arte e vivem dela e por ela…. Deixo meu abraço aos Amigos do Fernando Martinez, muita luz e cores na caminhada.