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Saúde Mental: ignorada no mundo, pior em Londrina

No Dia Mundial da Saúde Mental, não há muito o que comemorar

Telma Elorza

O LONDRINENSE

No dia 10 de outubro é comemorado o Dia Mundial da Saúde Mental. Um evento mundial e virtual será realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para marcar a data, transmitido pelas redes sociais da entidade, das 11 às 16 horas. O foco estará na necessidade urgente de abordar o subfinanciamento crônico do mundo em saúde mental – um problema colocado em destaque durante a pandemia de COVID-19.

De acordo com a OMS, cerca de 1 bilhão de pessoas vivem com um transtorno mental, 3 milhões de pessoas morrem todos os anos devido ao uso nocivo do álcool e uma pessoa morre a cada 40 segundos por suicídio. E agora, bilhões de pessoas em todo o mundo foram afetadas pela pandemia de COVID-19, que está causando um impacto adicional na saúde mental das pessoas, num momento em que o atendimento foi interrompido ou reduzido em 93% dos países do mundo, segundo uma pesquisa da OMS, divulgada na segunda-feira (5).

Em Londrina, a situação da saúde mental não é diferente. Há anos, desde a criação dos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPs) – o primeiro, chamado de Caps III para adultos, em 1996 – e outros dois em 2005, o Caps I (para crianças e adolescentes) e o Caps AD, para atendimento a usuários de álcool e drogas – que o Município não investe em obras e ampliação do serviço. Além disso, faltam hospitais com vagas psiquiátricas.

No ano passado, a cidade enfrentou problemas com a interdição dos hospitais psiquiátricos Vila Normanda e Clínica Psiquiátrica de Londrina (CPL) para recebimento de pacientes do SUS, depois que uma operação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Segundo investigações da Promotoria de Saúde Pública, havia indícios de irregularidades em prontuários médicos para receber mais dinheiro do SUS, além de adiar períodos de internações e tratamentos para conseguir mais repasses. O Tribunal de Justiça anulou as investigações em agosto deste ano. No entanto, o episódio serviu para mostrar como a cidade está desassistida na área. Se houvesse descredenciamento dos hospitais do SUS, como queria o MP, seria um problema enorme porque os outros hospitais não têm interesse em oferecer vagas psiquiátricas. A falta de vagas é crônica, suprida parcialmente por comunidades terapêuticas ligadas a igrejas ou movimentos religiosos, particulares ou conveniadas com o Município.

Mas o caso mais sério é no CAPS AD, que atende usuários de álcool e drogas e que há anos é “empurrado” de um lado para outro. Em 2015, o serviço foi despejado do local onde estava alojado, na Fundação Tamarozzi, por ter ficado sete anos sem pagar água e luz. E transferido “provisoriamente” para o antigo posto de saúde do Conjunto Milton Gavetti. Um espaço que estava tão deteriorado que a administração pública, na época, optou por construir uma nova Unidade Básica de Saúde (UBS) em vez de reforma-la. Cinco anos se passaram, e o CAPS AD continua no mesmo local, sofrendo com as condições inadequadas de atendimento, goteiras, falta de funcionários e até falta de internet de qualidade para a realização de serviços interligados.

“Chove mais dentro do que fora. Nossa internet não chega a um mega. De vez em quando, funcionários tem que emprestar o celular particular para um paciente fazer uma videochamada com o psiquiatra, que está atendendo remotamente, porque a internet não funciona. E hoje, é tudo on-line”, contou um funcionário que pediu para não ser identificado. “Esqueceram a gente aqui e não estão nem um pouco preocupados com a qualidade do serviço”, diz. De acordo com ele, todas as reivindicações da equipe são ignoradas pela Secretaria Municipal de Saúde. “Nossa capacidade de atendimento está esgotada, só conseguimos atender 80 pessoas dia, 40 de manhã e 40 à tarde, mas a procura é maior que isso”, diz. Segundo ele, com a pandemia restringiu-se o atendimento.

O LONDRINENSE esperou por uma entrevista com o secretário municipal de Saúde, Felippe Machado, para falar sobre a situação da saúde mental em Londrina. Mas, como está se tornando rotina entre quase todos os secretários, o pedido de entrevista foi ignorado. É uma pena, porque parece que a atual administração pública não sabe lidar com questionamentos. O LONDRINENSE está aberto às considerações do secretário, se ele desejar se manifestar.

Especialista aponta necessidades do Município

Segundo a psiquiatra londrinense, especialista em dependência química e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Sobre o Álcool e Outras Drogas, Alessandra Diehl, as dificuldades de Londrina com relação à saúde mental são muito semelhantes a outras cidades do Brasil. “Isto porque existem ainda muitas deficiências/lacunas para compor integralmente todos os serviços que deveriam estar funcionando dentro da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Em razão da imensa diversidade de questões envolvendo a dependência química, o tratamento exige múltiplas abordagens contemplando diferentes ambientes terapêuticos”, explica.

A psiquiatra afirma que os recursos, que vão desde a prevenção primária até intervenções complexas em unidades de internação devem estar integradas, para uma política de assistência na área de álcool e drogas ser eficaz. “Todas estas diretrizes estão contempladas na nota técnica de fevereiro de 2019, lançado pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (CGMAD) do Ministério da Saúde (MS) sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental (PNSM) e nas diretrizes da Política Nacional sobre Drogas (PNAD) no Brasil. No entanto, percebe-se que muitos gestores de saúde, formuladores de políticas públicas, legisladores e até mesmo profissionais da saúde que atuam na área ainda desconhecem ou negam a existência da nova normativa”, diz.

De acordo com a psiquiatra, apesar da alta prevalência e da alta incapacitação dos transtornos mentais, os sistemas de saúde ainda não responderam adequadamente ao ônus causados. “Sabemos que os transtornos mentais são as principais causas de incapacidade em todo o mundo. O Relatório Mundial sobre Drogas de 2020 aponta que 36 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de transtornos por uso de substâncias. O Brasil é atualmente considerado o maior mercado mundial de crack do mundo. Entre as drogas ilícitas, a procura de tratamento por abuso e dependência de crack foi aquela que mais aumentou nos últimos anos”, aponta. De acordo com ela, com o avanço da pandemia, especialistas têm sinalizado que estes números que já são suficientemente altos, irão aumentar significativamente.

A especialista diz que, em Londrina, é preciso aumentar outros serviços primeiramente antes de pensar em estruturar outros CAPS. “Por exemplo, o município poderia investir em miniequipes de saúde mental com psiquiatra, psicólogo e assistente social na rede de atenção primária, ou seja, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), atendendo uma demanda de problemas psiquiátricos menores que não requerem atenção intensiva em serviços CAPS e poderiam trabalhar em matriciamento de casos. Esta é uma iniciativa que já vem ocorrendo em vários municípios de São Paulo com bons resultados”, explica.

Outro investimento que julga urgente são os ambulatórios de saúde mental (preferencialmente organizados por tipo de transtornos) para pacientes que já estão estáveis e/ou que não são graves o suficiente para serem assistidos em CAPS. “O tratamento ambulatorial deve ser a primeira escolha terapêutica e tem mostrado ser tão eficaz quanto tratamentos em regime de internação, resguardando-se a gravidade dos casos. Ambulatórios específicos para o tratamento de determinadas substâncias, parecem atender melhor as demandas apresentadas pelos pacientes”, diz. Segundo ela, dentre os benefícios apontados para este tipo de intervenção, está o fato de o paciente ficar próximo de sua família, podendo assumir compromissos de sua vida pessoal, profissional e acadêmica. “O pós-tratamento intensivo tem se mostrado um período importante, no qual o acompanhamento pode garantir um desfecho positivo”, diz.

Ela também aponta que Londrina precisa investir em estratégias de prevenção. “Os programas de prevenção devem ser planejados de modo a reforçar aspectos positivos (fatores de proteção) da vida do indivíduo ou de uma determinada coletividade e diminuir aspectos negativos (fatores de risco) que possam vir a ser prejudiciais aos mesmos. Ações de prevenção ao uso de substâncias não precisam, necessariamente, abordar direta e unicamente questões relacionadas ao álcool e outras drogas. Também são estratégias preventivas aquelas que se dedicam a melhoria da qualidade de vida na comunidade, ao fortalecimento dos vínculos familiares e institucionais e a atenção à saúde física e emocional da população”, afirma. Ele lembra que, no SUS, já existe o ambiente da promoção e prevenção de drogas por meio da saúde tendo como palco as ações no programa estratégia de saúde da família. “Poderia ser usados para desenvolver uma etapa inicial para detecção precoce e intervenção breve nos domicílios em Londrina”, diz.

“Também faltam, em Londrina, as Residências Terapêuticas (RT) para que pacientes que estão morando há anos dentro do hospital sem qualquer familiar possam finalmente serem desinternados”, aponta.

Para a psiquiatra, a saúde mental nunca foi de fato uma prioridade para os governantes e a chamada “reforma psiquiátrica brasileira” gerou uma série de consequências, tanto positivas quanto negativas. “A radicalização da luta contra os ultrapassados manicômios levou a quase extinção dos leitos psiquiátricos, sem a simultânea adequação da rede ambulatorial para atender aos egressos”, afirma. Entre 2002 e 2014, foram extintos mais de 25 mil leitos psiquiátricos em todo o território nacional, com a ideia equivocada de que doença mental não necessita de internação. “Isto gerou uma crise na área da saúde mental, em especial na dependência química, onde o número de pessoas que necessitam de leitos é muito superior aos disponíveis”, explica.

Candidatos – Para ela, é importante que, nesse momento, os candidatos a cargos eletivos prestem atenção no assunto. “Talvez por desinformação ou apenas por ignorância, talvez porque este tema não gere tanta visibilidade aos olhos de muitos de nossos políticos, mas é assunto que precisa estar em pauta. Nem sempre os investimentos em saúde mental vão ser tão notórios quanto construir um viaduto, uma rodovia ou um monumento que tendem a serem mais perenes e dão status político”, afirma.

De acordo com ela, a ótica deveria ser investir em saúde menta e poupar dinheiro no futuro. “Isso é trazer benefícios que irão impactar em diferentes aspectos de uma comunidade. Seria interessante de fato, os eleitores também se interessarem em saber o que pensam e o que defendem nossos candidatos a prefeitos, não é?”, questiona.

Foto: Google Maps

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