Por André Luiz Lima
Desde que comecei a escrever A Arte dos Encontros, algo curioso acontece, as histórias ficam esperando sua vez e vários personagens levantam as mãos, pedindo, me conte, me conte.
No ato de saber ver e ouvir, conseguimos ver mãos levantadas ou mesmo levantar as nossas na espera que alguém nos ouça.
A arte nos ajuda a ouvir, a escutar o outro, estando presente, sem julgamentos, sem interpretação, sem condenação, deixar o outro ser para que você simplesmente seja, e assim não há conflito.
Acho que chegou a vez do meu extraordinário encontro na Suíça.
Estive na Suíça pela primeira vez na década de 1990, participando da primeira turma da escola internacional para atores latinos americanos, no teatro Della Radice, em Lugano.
Estava muito feliz pela oportunidade, com uma força jovem impressionante.
Devo dizer que a Suíça terá algumas matérias pela frente, pois influenciou muito no meu modo de ser e ver a vida, e não faltou muito para me tornar elegante e de bons modos “rsrsrs”.
Brincadeiras à parte, a Suíça é estonteantemente linda e elegante sim.
Vamos investigar essa história.
Cheguei por Milão, estava muito feliz pela experiência, peguei um transfer e fui até a estação central, uma das maiores e mais impressionantes estações da Europa. Possui uma mistura de estilos arquitetônicos, inspirada pelo modernismo no princípio do século XX. A Estação Central de Milão, na sua mistura de estilo, entre os quais se destacam especialmente as enormes cúpulas de aço e cristal que abrigam 24 plataformas onde há um contínuo ir e vir dos trens que levam até algumas das principais capitais europeias, além de outras cidades italianas que aparecem nos belos painéis de azulejos das paredes especialmente o Art Nouveau e o Art Déco.
A verdadeira experiência, começou ali, como um rito de passagem. O trem saiu de Milão, passou por várias cidades e, quando entra na Suíça, a paisagem muda completamente, como um passe de mágica.
Desci em Lugano, que fica aproximadamente 80 km de Milão, fiquei por alguns momentos em silêncio, observando a paisagem e o destino se descortinando na minha frente.
Lugano é uma cidade da Suíça Italiana à beira do lago, situada na região de Ticino com seu reluzente Lago, cercado por uma paisagem rústica das montanhas pré Alpes. Também tem uma história rica, com muitos museus e pontos de referência intrigantes.
Cheguei a casa de Cláudio Schott que me recebeu por alguns dias até ir para o alojamento da escola. Ele morava em um prédio, desses de uns 4 andares, sem elevador, apartamento pequeno e com entrada pela a cozinha.
Cozinha, onde se dividem histórias, entre os sons e o aroma do café, saindo da cafeteira Italiana.
Vou tentar fazer um resumo de duas histórias: Cláudio e Herman Hesse.
Cláudio Schott era filho de pai suíço, mãe espanhola e desde de criança já falava línguas.
Teve uma situação familiar intensa e não foi nada fácil, tornando sua personalidade um buscador de si mesmo,
Na adolescência, Cláudio levantou as mãos, queria ser dançarino e foi para Zurique, conseguiu trabalho em um hotel e incrivelmente conhece Stravinsky, sim Stravinsky, que o indicou a fazer dança em Londres. Para quem não sabe, Igor Stravinski (1882-1971) foi um compositor, maestro e pianista russo, autor de “Pássaro de Fogo”, balé que o tornou célebre. Tornou-se um dos mais importantes compositores do Século XX.
E lá foi Cláudio viver seus sonhos, conseguiu entrar no Royal Ballet de Londres, viveu amores e a descoberta da sexualidade. trabalhou com grandes nomes da época, como Martha Graham, Balanchine, fez Flowers in the Place, de David Bowie, brigou com o bailarino Nureyev, dirigiu o balé nacional da Albânia e Indonésia, criou o projeto dança Lugano e, quando se aposentou, foi a Genebra para um novo enfrentamento, estudou para ser tradutor e acabou indo morar em Berna sendo tradutor da defesa Suíça.
Minhas doces lembranças na arte dos encontros com Cláudio em Lugano, vão além do que os olhos possam ver e o coração sentir.
A força motriz desse artista me ensinando, conduzindo com respeito e generosidade me emociona até hoje.
Com Claudio, aprendi muito nas conversas ao redor de uma mesa em Lugano, na sua casa em Berna, comendo uma bella pasta, bebendo um vinho. Na realidade, tudo era tão intenso, profundo e fascinante que me tornei mais forte para enfrentar a mim mesmo.
Ninguém pode ver nem compreender nos outros o que ele próprio não tenha vivido.
Acredito que os artistas se encontram para se abastecerem, e nada mais especial do que Herman Hesse, que também morou em Lugano.
Na minha primeira semana de estudos, em uma pausa, nos levaram até o túmulo de Hesse. Confesso que me deu uma certa inveja momentânea, pois a vista do cemitério para os Alpes, unindo a beleza do lugar e a paz era realmente incrível.
Mas realmente foi bem momentânea pois eu estava ali, cheio de vida e com vontade de aprender.
Vamos lá, Hermann Hesse (1877-1962) foi um escritor alemão, nacionalizado Suíço, autor de importantes obras, como “Lobo da Estepe” e “O Jogo das Contas de Vidro”, que resumem a crise espiritual e estética do século XX. A busca pela própria identidade e o difícil processo de realização pessoal foram temas que Hesse tratou anos mais tarde em seus romances.
Suas histórias são cheias de referências a suas experiências pessoais, autoanálise e confissões poéticas. Em 1946, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura por seus escritos inspirados que, ao ganharem em audácia e profundidade, exemplificam os ideais clássicos do humanismo e a alta qualidade do estilo. Após o fim da guerra, a Alemanha leu muito a obra do escritor, em busca de autorreflexão e de um novo caminho.
Nesse período de Herman Hesse e Claudio Schott, entre tantas outras histórias, eu estava em estudos sobre a memória, emoção, corpo, composição, dramaturgia, concentração, beleza …
Como explicar tamanha gratidão no meio de tanta informação?
Divido aqui, em um pequeno texto de Hesse que define esses encontros tão sensíveis, cheio de coragem para poder viver o que nos apresenta e realmente vale a pena.
Viva seus sonhos.
Viva-os bem.
Dedique-lhes altares, celebre seus mistérios.
Não é a perfeição, mas já é um caminho.
Não há nenhum sonho perdurável.
Uns substituem os outros e não devemos nos esforçarmos para nos prender a nenhum.
Não há nem um polo para o qual será atraído.
Seu destino o chama e um dia lhe pertencerá por completo, como você sonha, se continuar sendo fiel.
(H.H)
Eu continuo levantando as mãos.
André Luiz Lima
Londrinense, ator, diretor, professor, palestrante e produtor cultural.
Foto: Acervo pessoal